Rejane de Santa Helena
A história do espiritismo no Brasil é cheia de exemplos enriquecedores, alguns bem conhecidos, outros permanecem ainda guardados, talvez esquecidos em gavetas empoeiradas.
Abrindo um livro de orações, guardado e esquecido há pelo menos 60 anos, descobri não somente gavetas, mas portas de quartos escuros, empoeirados, mas íntegros, que o tempo guardou e tranqüilamente esperavam para serem abertos e desvendados!
Assim, depois de quase 100 anos, vejo-me inteiramente absorvida na leitura da história de um grupo de espíritas pioneiros de Porto Alegre, lendo a história do Grupo Espírita D.Feliciano, fundado em Porto Alegre em 1901, e que teve seu nome mudado em 1921 para Sociedade Nazarena Anjo Feliciano. Detive-me então a pensar sobre um dos seus aspectos – o comportamento de seus membros frente a doença.
Esta Sociedade pregava – e praticava – que não havia necessidade de uso de medicamentos para a cura de doenças. Em escritos deixados por membros da Sociedade, em forma de atas de reunião, e de um levantamento histórico entre o período de 1901 e 1925, lê-se o seguinte: “…a [nossa] sociedade ser a única que realmente segue a religião de Jesus, obedecendo até o seu método de cura, o que usou Jesus e seus apóstolos quando transitaram neste planeta, método este que consiste exclusivamente em, curando os doentes, sarar também os sofredores desencarnados, fazendo-os conhecer bem de perto Jesus e se aproximarem de Deus pela prática da religião única consignada no Novo Testamento. ”
O texto completo é quase um retrato de como pensavam aqueles homens do início do século: suas crenças, seus ideais. Giravam eles em torno do fundador do grupo, Alfredo Silveira Dias, um homem de ideal, com uma grande fé em Deus e no mundo espiritual. Certamente, um líder que conduziu muitas pessoas à renovação moral e espiritual, que viveu o que pregou, já que ainda hoje carrega de emoção as vozes das pessoas quando dele se referem. Sobre suas ideias é que escrevo. Já que ele, liderou a Sociedade por mais de 50 anos, e ainda hoje encontramos alguns seguidores dessas idéias. Idéias que talvez tenham sido deturpadas com o passar do tempo – e quem somos nós para julgar? – mas que na essência continham um bom entendimento do que é a vida.
Um dos aspectos mais interessantes desta Sociedade, e talvez o que levou seus membros a serem muitas vezes agredidos por jornais e pela sociedade local, era a sua rígida moral (talvez, reflexo da sociedade brasileira do início do século passado) e o repúdio aos medicamentos.
A Sociedade pregava que para a cura radical não são necessários remédios, mas a renovação moral – ‘conhecer de perto Jesus’, o uso da bioenergia ou ‘o método que usou Jesus’ e a “possibilidade de cura dos sofredores desencarnados”.
Analisemos portanto com lógica e frente ao espiritismo o que significa a cura radical.
Saúde é a ausência de doença de qualquer espécie – física, emocional e espiritual, portanto, a cura total ou radical é também a ausência de doença física, emocional e espiritual.
Como obter a cura total? Tratando a causa da doença e não os seus efeitos. Onde está a causa da doença? Quais são os seus efeitos? Os efeitos da doença manifestam-se no corpo físico, ou afetando o estado emocional e psicológico, e num nível mais profundo, no corpo espiritual ou perispírito. As causas podem ser várias, mas estão relacionadas com o que é o Ser individual, sua personalidade manifesta, seu inconsciente ou subconsciente. Elas podem ser encontradas impressas no perispírito, já que este “é o envoltório semi-material do Espírito, e que nos encarnados, serve de laço ou intermediário entre o Espírito e a matéria; e nos Espíritos errantes, constitui o corpo fluídico do Espírito”.
Deste modo, para se atuar sobre a(s) causa(s) da doença, deve-se atuar sobre o perispírito ou mais profundamente, sobre o Espírito ou Ser Espiritual.
Os remédios atuam sobre o corpo físico ou encarnado, sendo portanto somente paliativos, já que curam os efeitos, mas não as causas das doenças. O problema de curar a doença, é como já dissemos, e bem sabemos, curar a sua causa ou curar o Ser Espiritual.
Para o espírito regenerar-se ou curar-se, é preciso muitas vezes, a atuação ou ajuda espiritual, através da prece, da bioenergia, da doutrinação dos desencarnados que ora se ligam ou são atraídos pelo indivíduo. Todos estes fatores atuam sobre o perispírito, e auxiliam a cura do Ser Espiritual. Mas, a cura do Ser espiritual, a um nível mais profundo, requer ainda um pouco mais – requer uma mudança de atitude, de personalidade manifesta, do consciente e do subconsciente. Requer, portanto uma mudança profunda e definitiva!
A cura espiritual segue-se a cura do corpo, já que o corpo reflete o espírito.
Assim, a cura radical ou integral, é a cura do causa da doença e dos seus efeitos, que somente é obtida com a mudança radical daqueles aspectos desencadeadores da doença ou seja, com a renovação do indivíduo.
E, facilmente, chegamos a conclusão que os membros pioneiros daquele grupo espírita tinham razão! A cura integral só é atingida através da renovação moral do indivíduo ou do Ser Espiritual.
Uma vez que reconhecemos que a causa da doença esta no próprio indivíduo, analisemos agora, mais detidamente o problema da renovação ou mudança, e depois passaremos a discutir como agir ou mitigar os efeitos, físicos ou emocionais desta causa.
Mudança radical significa mudar-se e não voltar ao estado inicial. O problema é que nem todos estamos preparados para uma mudança radical em pouco tempo. Aliás, diria melhor, muito poucos o conseguem. Mudanças de comportamento são lentas e custosas.
Uma comparação simples, é o hábito de fumar. Uma pessoa que fuma por 20 anos, quanto tempo leva para parar de fumar? Com muito esforço, depois de umas tantas tentativas frustradas, onde o hábito renitente vai e volta outras tantas vezes, o individuo consegue, e pára de fumar. Mas, quanto tempo leva o corpo para se livrar dos venenos que o cigarro deixou? Um ano? Dois anos? As vêzes não se livra nunca (nesta vida) e morre com o pulmão contaminado!
Agora imaginem um habitozinho, destes que vem de séculos, que não precisa ser muito ‘sério’, uma vaidadezinha à toa, um egocentrismo pequeno, aquela raivazinha que aparece quando nos contradizem, mas literalmente nos come por dentro?!
Será que é de um dia para o outro que nos livramos dela e realmente mudamos?
Mudanças radicais são lentas, por que são o resultado do conhecimento adquirido e da integração deste conhecimento à personalidade ou ao ser espiritual!
Portanto, mudar-se significa trabalhar interiormente o aspecto que se quer modificar, e para isto primeiro, é preciso identificar o que se quer e pode ser mudado – é o auto-descobrimento.
Primeiro, o indivíduo se auto-descobre, torna-se consciente do que é, e do que não é. Conhece os seus aspectos positivos, e aqueles aspectos negativos da sua personalidade. Aprende a identificar quando está com raiva e a perceber que tem raiva – pára, identifica e pensa.
Numa segunda fase, ele entende que precisa mudar-se, regenerar-se. Passa então, a não reagir, mas a agir. É aí que começa a mudança. Aos poucos, lentamente.
O Espiritismo vem ajudar o indivíduo através da bioenergia (imposição de mãos ou qualquer dos seus métodos) a limpar seu campo energético, seu perispírito, para que eliminando as impurezas fluídicas ou energéticas do perispírito, ele possa se auto-descobrir mais facilmente, e rapidamente. O Espiritismo trazendo o conhecimento do amor, da caridade, a doutrinação moral (doutrinação aqui no sentido de trazer o amor e a moral de Cristo) ajuda a entender onde estão suas falhas e como modificar o próprio comportamento, ajudando assim, indiretamente, também os desencarnados que estão a ele ligados por afinidades morais presentes ou passadas a também reconhecerem-se e auto-descobrirem-se.
Este é o processo de cura espiritual, o qual exige esforço próprio, mudança radical e que levará a cura radical, pois a cura espiritual se refletirá no organismo encarnado e levará a cura da doença corporal. Eliminando a causa, o efeito desaparece.
Este processo, é, como já dissemos, lento e demorado. Na maioria das vezes distorções de caráter/moral apesar de muito pequenas, originaram-se e permaneceram no ser espiritual por anos, séculos ou milênios. Estas pequenas deformações morais deixaram marcas no perispírito que podem gerar fraquezas no corpo encarnado atual e levar ao desencadeamento de doenças, mais ou menos graves. Algumas destas doenças são passíveis de serem combatidas pelo indivíduo sozinho, sem ajuda de medicamentos de qualquer espécie. Outras são no entanto, mais profundas, residem no subconsciente, ou falando em termos energéticos, situam-se em camadas mais profundas do ser espiritual. Para que a cura total se realize, é preciso atuar nestas camadas profundas, faz-se necessária uma ação conjunta sobre o corpo encarnado e o corpo espiritual.
Assim, trata-se o corpo com os recursos necessários para amenizar a dor, e os efeitos visíveis da doença, e o corpo espiritual, onde reside a verdadeira causa da doença.
Neste tratamento conjunto, aliam-se: os medicamentos, que podem ser alopáticos (químicos), homeopáticos ou naturais, à técnicas alternativas, que atingem mais facilmente o perispírito como: a bioenergia, a ação dos cristais, florais de Bach, cromoterapia, massagens em pontos de concentração de energia (bloqueios energéticos), acupuntura e várias outras técnicas disponíveis hoje em dia.
Assim, os medicamentos e técnicas da medicina convencional, homeopática e alternativa agem conjuntamente, com o auxílio espiritual ministrado através da prece, do passe, da doutrinação nos princípios cristãos através do Espiritismo, para que a saúde do ser físico e espiritual seja restabelecida.
Fica claro aqui que, como já disse anteriormente, existem lesões no ser espiritual que por serem mais profundas não podem ser curadas no período relativamente pequeno de uma vida terrena. O processo pode iniciar-se no corpo encarnado, curando as camadas externas do perispírito ou facilitando que a doença aflore nas camadas mais externas, liberando-a das camadas mais profundas, e terminar no mundo espiritual.
Existem exceções, quando por merecimento, vontade de renovação individual intensa, profunda e determinada, acompanhada por uma renovação moral cristã, em que a cura espiritual é obtida em uma reencarnação, ou mesmo em um período breve da existência na terra.
O que se diz em medicina terrena, também se aplica a medicina espiritual – cada caso é um caso – e deve e será analisado e tratado individualmente.
A fé, a vontade firme de renovar-se moralmente e integralmente, o amor e a perseverança no bem, é que vão determinar ou provocar a cura.
(Este artigo foi publicado na Revista Espirita da Mansão do Caminho. É parte de um estudo sobre um dos primeiros núcleos espiritas de Porto Alegre, RS, e do qual a familia de o pai da autora fez parte desde o início.
Rejane faz parte do Verein für espiritistisches Studien Allan Kardec – VAK (Sociedade de Estudos Espíritas Allan Kardec) em Vienna, Austria).
Verein für Espiritistische Studien Allan Kardec (VAK)
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(Publicado no Boletim GEAE Número 424 de 21 de agosto de 2001)