A Norma Técnica do Aborto em Debate
Jesus, o Mestre, preocupado com a aprendizagem significativa, buscou métodos de ensino, baseados na assimilação ativa dos conteúdos. Utilizou para isso várias técnicas. Não estava disponível o computador ou o retroprojetor. Assim sendo, fez preleções; narrativas e perguntas. Deu explicações, usou ilustrações, e se socorreu da conversação didática. Seus exemplos foram inúmeros, mas com a técnica do debate, entre seus discípulos, permitiu que Pedro, no consenso, fizesse a síntese. Vamos recordar. Chegando Jesus ao território de Cesaréia de Filipe, perguntou aos discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” Disseram: “Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou um dos profetas”. “Então lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro, respondendo, disse: “Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo.”
O debate é tão importante que políticos procuram adiá-lo para os dias que antecedem as eleições. No debate temem “afirmar que é João Batista, que é Elias, ou, ainda, que é Jeremias”.
Anteriormente o Núcleo Espírita Universitário do Rio de Janeiro usou o debate para estimular o voto consciente. Na Revista Internacional de Espiritismo fez o confronto entre duas postulantes à câmara dos deputados. Hoje é necessário voltar ao debate. Por isso, convidamos ao leitor a rever aquele diálogo(2).
Na TV duas candidatas discutem tema de grande interesse. No final você pode acabar mudando o voto. Cabe lembrar que se a justiça do candidato não exceder as dos escribas e dos fariseus, ele não deve entrar nem na Câmara nem no Senado.
Seus currículos se equivalem e nunca foram encontradas ligadas a atos de corrupção, não sendo do nosso conhecimento nenhum fato que desabone suas condutas. Com esse pano de fundo devemos informar que uma delas havia enfrentado, com muita angústia, um aborto espontâneo. Embora de mesmo credo apresentam posições antagônicas.
Sim, são materialistas. Muitos têm fé no niilismo e acreditam na inexistência de vida após a morte, embora esta tese seja defendida sem nenhuma evidência experimental que a suporte. Até hoje ninguém provou que não existe vida depois da morte, mas, alguns defendem quase fanaticamente essa idéia. Aliás, dos fanáticos não sei qual o pior! As pessoas de credo materialista acreditam no nada, geralmente se recusam a olhar pela janela espiritualista, que fica no lado oposto do cômodo. O fanático materialista é cego às evidências científicas acumuladas e que apontam na outra direção.
“Richet disse que uma boa e completa experiência vale por cem observações, e acrescentaremos: vale dez mil negações, ainda mesmo quando essas negações emanassem de sumidades de maior notoriedade, se estas não se dignassem a repetir as experiências e demonstrar-lhes a falsidade” (Gabriel Delanne, 1893)
Voltemos ao diálogo entre as duas senhoras (candidatas).
Uma opinião apresentada por uma delas, a de que o aborto é um direito, foi o que nos chamou a atenção. Vivemos nos equilibrando entre direitos e deveres!
Disse: “a campanha pela legalização do aborto deve seguir na direção pura e simples do direito de abortar, não necessitando a mulher explicar que há problemas com o feto ou que foi estuprada. O aborto não deve ser considerado crime e o argumento que invoco é um só. A mulher pode dizer que não quer este filho e que seu corpo lhe pertence. Este é o projeto de lei pelo qual anseiam as mulheres.”
Diz a outra: “mas, aqui o direito de um implica na morte do outro. Não podemos auto-atribuirmos a decisão e a ação de matar o outro. Isto é questão de poder acumpliciado a uma licença ética. É exatamente o que se dá com o político que leva o povo à guerra; dá-se ainda com o terrorista, com o torturador, com os assassinos de todos os matizes. Poder e não-ética associados produzem todas as lesões ao outro: o roubo, a censura, o seqüestro, a lista é longa”.
Léon Denis, que foi um orador brilhante, fez uma conferência em Tours, na sala do Cirque e posteriormente em Orléans, na sala do Instituto, em fevereiro e abril, respectivamente. A acolhida que lhe foi feita e o convite insistente, de um grande número de ouvintes permitiram que hoje pudéssemos estudá-lo. Nele Denis diz: “nós que desejamos uma ordem social baseada na Justiça e na Liberdade, façamos inicialmente, justos e virtuosos a nós mesmos, tornemos nossos corações livres, as razões esclarecidas, os costumes dignos, as consciências honestas e marchemos nós, em frente, sem fraquejar.”
Voltemos ao diálogo das duas amigas.
Em defesa de suas idéias, continuou a senhora: “o aborto não é um direito, é uma possibilidade decorrente do poder e da anestesia da consciência, como escravizar o negro, matar judeus.”
“A Idade Média foi a idade de ferro, a idade do feudalismo, a idade onde as fogueiras crepitaram, onde o sangue corria em torrentes nas salas de tortura, onde as incontáveis forças se erguem com os seus frutos sinistros.”(L.Denis)
Como que se não tivesse escutado os argumentos apresentados, surge a réplica: “A legislação do aborto não dá à mulher autonomia sobre seu corpo. Precisamos entrar na modernidade! Estamos atrasados em relação à Itália, Alemanha ou à França.”
O leitor também já ouviu essa conversa antes, não?
Alguns acreditam que o que se USA lá deve-se USAr cá!
Nem nos EEUU a lei é abrangente!
“Sim”, concorda a outra. “Mas, não seria o caso de ampliar a informação sobre anticoncepção? Usar do direito de não engravidar, nestes dias modernos de Aids, usar a camisinha e exigir a colaboração do companheiro? Afinal, a eficiência dos anticonceptivos é próxima de 100%! “
“É, mas um dia a casa cai e você aparece grávida, minha filha! – disse a outra.”
A resposta veio na ponta da língua: “mas a culpa é do bebê?” O óvulo é seu. O útero, também, mas o ovo fertilizado é outra pessoa!
“Na alma humana existe um sentimento natural que a eleva acima de si mesma para um ideal de perfeição no qual se resumem essas potências morais denominadas o Bem, a Verdade e a Justiça. Esse sentimento, quando está esclarecido pela Ciência, quando é fortificado pela razão, quando tem por base essencial a liberdade de consciência, da consciência autônoma e responsável, esse sentimento é o mais nobre de quantos possamos conhecer.” (L.Denis)
Pudemos ouvir o silêncio, enquanto a outra engolia em seco, embora não se desse por vencida.
“Sim, mas enquanto os t-e-ó-r-i-c-o-s, como você, discutem se o feto com duas ou com quatro semanas já é uma pessoa, a mulher engrossa as estatísticas. Você sabia, minha cara, que nos meados de 1985 o aborto era a quarta causa de morte? Que o INAMPS gastava 46% do orçamento de obstetrícia em complicações causadas pelo aborto? Que a Organização Mundial de Saúde indicava, em 1978, a ocorrência de 3 a 5 milhões de abortos anuais no Brasil e que isso representava 10% dos casos no mundo? As mulheres pobres vão continuar abortando com agulha de tricô?
A conversa estava tão quente que resolvi escutar ainda mais discretamente. Conclui que a intuição mais uma vez havia me favorecido. Afinal poderia sobrar pra mim. E se uma delas resolvesse olhar na minha direção e me perguntasse: “o senhor não acha?”
Eu não poderia ser indelicado e responder: “Eu não acho nada, minha senhora!”
De repente a outra, olhando para minhas mãos e, como se quisesse me envolver na discussão disse: “Espera aí, vamos entrar nessa de que o Ministério da Saúde adverte… e, gastar fortunas dos recursos públicos, para tratar enfisema e câncer pulmonar que apareceram por causa de uma droga socialmente aceita?”
“Minha amiga”, falou com tom de piedade, “não seria melhor investir numa estrutura melhor para gerar filhos? Investir em creches e oferecer orientação sobre contracepção? O país já tem os sistemas de comunicação bem desenvolvidos é só questão de vontade política fazer a opção pela educação!” e, arrematou: “Isto não é o mesmo que colocar o aborto na lei e a consciência fora da lei?”
Nesta hora achei que a outra não ia conseguir sair da lona, enquanto eu, o juiz, contava até dez.
“Há pessoas com nervos de aço.” (Lupicinio Rodrigues)
Como lutador de excelente preparo físico ela ficou de pé, e: “Ora, minha amiga, eu e você estamos discutindo a existência de alguém que ainda nem é uma pessoa. É apenas um amontoado de células. Eu estou defendendo a mulher e você vai ficar defendendo um feto!”
“A mulher é sempre ignorada. Essa é a grande questão do nosso século. As mulheres que abortam, no Brasil, não o fazem por opção. Quando falo no direito de abortar falo em direito à vida humana, decente e digna. É preciso existir estrutura para gerar filhos, foi você mesma quem colocou!”
E agora, você já descobriu qual possui a capacidade maior de argumentar e contra-argumentar? As mulheres que defendem os seus direitos precisam ser ouvidas. Eu sou a favor da competência, esteja ela de saia ou não.
“Sim”, veio a resposta: “e deve ser aí que devemos gastar a nossa energia e não tentando desumanizar o outro! Sempre que se quer humilhar, castrar, limitar ou matar o outro, recorre-se a esta técnica consagrada. O primeiro ato é des-humanizar. Se o embrião é um VIR A SER, mas NÃO É ainda por que não suprimí-lo em favor dos que SÃO?
Hitler e Stálin tinham idéias, até nobres, pelas quais se auto-atribuiram o direito, e até o dever, de matar judeus, dissidentes, capitalistas, comunistas e católicos.
O que se quer é “des-humanizar” o embrião para adormecer as consciências com uma legitimidade.
“A ciência não tem uma definição de vida, portanto não pode justificar um procedimento tão grave sobre o que desconhece.”
“Há pessoas com nervos de aço, sem sangue nas veias e sem coração.” (Lupicinio)
Eu não sei onde esta conversa foi parar, mas ela me estava fazendo pensar tanto, que já me sentia cansado. Foi com certa contrariedade que tomei o ônibus e deixei as senhoras com as suas reflexões. Mas, ainda consegui ouvir: “O Brasil continua na Idade Média em relação à condição da mulher. Para essas mudanças chegarem, precisamos de pressão e conscientização.”
Creio que concordávamos, aí não tínhamos dúvidas! Pressão de ambas as partes, favorecendo a reflexão. E, conscientização ampla, geral e irrestrita, sem escamotear os argumentos espiritualistas.
Este diálogo foi retirado do opúsculo que recebeu o título “Antes de Votar Pergunte ao Candidato Sobre o Aborto”, que procurou responder as questões seguintes: como age o cidadão espírita em relação à política? Como vem sendo sua conduta em época de eleição? Seu voto é realmente consciente? Será que o seu candidato aceitaria o aborto de uma jovem, gestante HIV-positiva, grávida pelo estupro? Será que ele se recusa a aceitar uma gravidez que se originou de um ato violento? Será que ele na TV vai dizer que não devemos permitir que uma mulher portadora do vírus da Aids fique grávida? Será que sua candidata vai dizer que seu corpo lhe pertence e que a legislação do aborto deve dar à mulher autonomia sobre seu corpo? Será que ele vai dizer que precisamos entrar na modernidade no que diz respeito ao aborto e que o feto é apenas um apêndice da mãe? Que diante de anomalias fetais graves e incuráveis o aborto seria válido? Válido onde existem malformações múltiplas ou aberrações cromossômicas graves. Que argumentos são utilizados para conceder validez moral ao ato da interrupção de uma gravidez complicada por ausência dos hemiférios cerebrais (anencéfalos)? Poder-se-ia utilizar os órgãos de um anencéfalo em outra criança? A causa é nobre, você não acha? Pense na criança que nasceu com uma hipoplasia de ventríloco esquerdo e poderia viver com um novo coração transplantado.
Votar não é fácil, apertar botões não deveria ser a única preocupação dos educadores de época de eleição.
E você, em qual das duas materialistas votaria?
Ontem, o deputado Severino Cavalcanti (PPB/PE) falou em luto nacional na sexta-feira, hoje, 9 de novembro de 2001, pelo horrendo aniversário de três anos da Norma Técnica do Ministério da Saúde editada no mesmo dia em 1998. Ele afirmou que a Norma vem promovendo abortos em série e a matança indiscriminada de fetos inocentes. E o que é mais grave: ela atropelou o Poder Legislativo Brasileiro, pois em todos os países democráticos do mundo o aborto sempre foi uma questão polêmica, a ser decidida pelo Congresso Nacional.
Diz ainda, que os interessados utilizaram-se de uma estratégia ilegal de regulamentar o aborto através de uma norma técnica do Ministério da Saúde. E não de um projeto de lei que precisava ser votado e aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Como é feita a prática da pena de morte pelo aborto?
1. com o Cytotec. Elas nascem vivas, mas acabam morrendo e são despejadas na lata de lixo.
2. pela “Aspiração Manual Intra-Uterina” (AMIU), em que se suga o bebê em pedacinhos.
3. pela raspagem do útero, com duas lâminas afiadas em forma de foice (curetagem). A criança é esquartejada, em pedaços grandes.
4. pelo uso de dose enorme de hormônios que desestabiliza a parede do útero impedindo o implante. Ocorre sangramento abundante e o filho é descartado.
No Seu pronunciamento o deputado apelou para que se vote urgentemente, o Projeto de Decreto Legislativo (O PDL 737/98), de sua autoria, que susta a ilegal Norma Técnica do Ministério da Saúde, assim como o Projeto de Lei 947/1999, também de sua autoria, que “institui o Dia do Nascituro”, o” Dia da Criança por Nascer”, a ser festejado no dia 25 de março de cada ano.
Finaliza rogando a Deus que a “cultura da vida” prevaleça sobre a “Cultura da morte”, que a Vida esteja acima de interesses econômicos de organizações internacionais que desejam, a todo custo, impor ao Brasil o aborto como meio de controle de natalidade e investem na eliminação de fetos e placentas que abastecem uma lucrativa indústria de cosméticos.
Está aberto o debate!
Luiz Carlos D. Formiga
Referências Bibliográficas
1. Cavalcanti, S. “Luto nacional – três anos de vigência da norma técnica do aborto”. Discurso pronunciado pelo primeiro-secretário da câmara dos deputados na sessão de 8 de novembro de 2001.
2. Formiga, LCD. Eleição, mulheres e voto consciente. Revista Internacional de Espiritismo, setembro de 2000.
(*) Artigo enviado ao local www.ajornada.hpg.com.br , no dia 09 de novembro de 2001.