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A Primeira Pessoa do Plural

A Primeira Pessoa do Plural

“Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de certo tempo abandonarem
suas crias, deduzem não serem os laços de família, entre os homens, mais do que
resultado dos costumes sociais e não efeito de uma lei da Natureza. Que devemos
pensar a esse respeito?”

“Diverso dos animais é o destino do homem. Por que, então, quererem
identificá-lo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das necessidades
físicas; há a necessidade de progredir. Os laços sociais são necessários ao
progresso e os de família mais apertados tornam os primeiros. Eis por que os
segundos constituem uma lei da Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os
homens aprendessem a amar-se como Irmãos.” “Livro dos Espíritos”, Questão nº 774
– Da Lei de Sociedade.)

Em 1932 Aldous Huxley, conhecido escritor inglês, lançava seu mais famoso
livro: “O Admirável Mundo Novo”, uma visão pessimista do futuro da Humanidade,
em que imaginava uma sociedade onde a família estaria abolida. Isso deveria
ocorrer até o final deste século.

Nessa “admirável” loucura a mulher não mais daria à luz. Os filhos nasceriam
em incubadeiras altamente sofisticadas, madres artificiais. Ninguém teria pai
nem mãe. Seria considerado subversão falar-se do assunto. Exercitar-se-ia o sexo
sem compromisso, heterogeneamente. Cada indivíduo cuidaria da própria vida, sem
deveres com ninguém a não ser com o Estado.

A partir dos anos cinqüenta, com o rompimento de tabus relacionados com o
sexo e o advento do amor livre, muita gente imaginou que estivéssemos a caminho
de uma sociedade dessa natureza.

No entanto, mais de três décadas passaram-se e, embora o casamento seja muito
questionado, a família está longe de extinguir-se e jamais o será, porquanto o
acasalamento e a prole, a união entre o homem e a mulher com responsabilidades
recíprocas no cuidado dos filhos é uma instituição divina que se faz sentir nos
indivíduos como uma necessidade básica, muito menos subordinada a modismos
sociais e muito mais como decorrência dos desígnios de Deus.

A CONSTITUIÇÃO da família obedece a uma lei natural. Com ela habilitamo-nos a
desbravar os domínios do Amor, onde residem as aspirações mais ardentes da
criatura humana. Referimo-nos não ao exacerbamento do impulso sexual, na paixão
avassaladora, mas ao amor de verdade, que é o sentimento profundo de comunhão
envolvendo os componentes da célula familiar, cujo exemplo mais eloqüente e
nobre exprime-se na solicitude ma­terna, como ressalta Coe­lho Neto no soneto
inesquecível:

“Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração; ser mãe é ter no alheio
lábio que suga o pedestal do seio
onde a vida, onde o amor, cantando vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormido; é ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra.

Todo o bem que a mãe goza é o bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
luz que lhe põe nos olhos novo brilho.

Ser mãe é andar chorando num sorriso;
ser mãe é ter um mundo e não ter nada;
ser mãe é padecer num paraíso.”

Esses versos exprimem com fidelidade o que é o amor sublime que brota
espontâneo na mulher que concebe, luz divina depositada em seu coração,
transformando-a em colaboradora do Céu a iluminar os caminhos de filhos de Deus
sob seus cuidados.

Por isso a família jamais desaparecerá, sejam quais forem as novidades
inventadas pelo homem e as fantasias inspiradas no decantado amor livre, que não
passa de mero exercício de sexo irresponsável. Qual a mãe que se sente com
liberdade plena de fazer o que lhe aprouver, sem considerar a prole? Amor é
compromisso, é dedicação, é esforço, é trabalho em favor do ser amado.

UMA das características marcantes do homem, no estágio evolutivo em que nos
encontramos, é o egoísmo, a tendência de pensarmos muito em nós mesmos. No lar
damos os primeiros passos a caminho da fraternidade. Na interdependência
existente entre os membros da família, envolvendo pais e filhos, marido e
mulher, irmãos e irmãs, opera-se um fenômeno prodigioso: aprendemos a conjugar o
verbo de nossa ação não mais na primeira pessoa do singular (eu); usamos a
primeira do plural (nós).

Temos no lar uma microssociedade onde exercitamos a vocação de conviver e
participar. É significativo que pessoas com problemas de relacionamento social,
que cometem desatinos, que se revelam incapazes de respeitar o próximo, de
sensibilizar-se com os sofrimentos alheios, geralmente vêm de famílias
desajustadas onde escasseavam afetividade, carinho, compreensão, solicitude…

Em mundos mais evoluídos, a família amplia-se além das fronteiras de sangue,
abrangendo imensas comunidades, o que é natural: somos todos filhos de Deus.

Na Terra, adiantam-se numa abençoada vanguarda de renovação aqueles que, não
obstante o cuidado da família consangüínea, ampliam sua capacidade de amar com o
esforço em favor do semelhante. Cuidam de enfermos, auxiliam necessitados,
consolam aflitos, vinculam-se a obras assistenciais, integrando-se
verdadeiramente na vida social, onde se destacam não pela riqueza ou pela
cultura, mas pelo empenho de trabalho em favor do bem comum, exercitando amor
como o fazem as mães.

E, como ocorre com as mães, esses abnegados vanguardeiros estagiam,
intimamente, no paraíso, ainda que transitando pelos espinhos da Terra.

Reformador – nº 1910 – Maio – 1988