O Apóstolo Paulo Proíbe o Espiritismo
Manhã de domingo. Uma amiga telefona e me propõe interessante questão. Em
conversa com um vizinho, este lhe diz estar estudando a Bíblia há mais de um
ano, embora não seja adepto de nenhuma religião. E sabendo que essa amiga era
espírita, resolve interrogá-la quanto à proibição que Paulo coloca, em sua
epístola aos Efésios (6:10 a 20), quanto ao Espiritismo.
A razão do telefonema foi de me perguntarem como explicar a proibição de
Paulo (minha amiga é novata na Doutrina). É quase desnecessário dizer que achei
deliciosa a pergunta, só de imaginar o efeito da resposta…
A essa altura, o estudante da Bíblia, já aberta na página em questão, falava
diretamente comigo. Não – disse-lhe -, não leia ainda o trecho. Deixe-me
primeiro pegar a minha Bíblia.
E que Bíblia ! Bem antiga, um exemplar raro, edição portuguesa de 1877, que
ganhei de presente. De passagem, pego também o Novo Testamento, de bolso, edição
de 1954, tradução de João Ferreira de Almeida, para confronto dos textos.
Inicialmente procurei lembrar-lhe – já que a estava estudando – que a Bíblia
é constituída do Velho e do Novo Testamentos; que este contém o Evangelho de
Jesus etc…, etc… Que a tal passagem de Paulo aos Efésios está pois, no Novo
Testamento e, como é evidente, fora escrita pelo apóstolo há quase dois mil
anos. E que o Espiritismo, palavra criada por Allan Kardec, surgiria em abril de
1857, com o lançamento de O Livro dos Espíritos, tendo, portanto, 140
anos de existência.
– Como – indaguei – poderia Paulo proibir algo que nem existia ?
– Então, como explicar esse texto ? – me pergunta ele inocentemente.
– Agora sim, vou ler para você uma Bíblia muito antiga, de 1877, e depois um
Novo Testamento, de 1954.
Li, ao telefone, para o confuso estudioso da Bíblia, os textos
correspondentes, nos quais, como é óbvio, não consta absolutamente nada quanto à
aludida proibição. Em seguida, ele fez a leitura do trecho que motivou todo o
nosso diálogo. Nele estão várias interpolações, e proibição não apenas do
Espiritismo, mas de outras coisas, inclusive (numa linguagem bem atual) sexo
antes do casamento.
– Como vê – arrematei – está havendo uma adulteração dos textos evangélicos,
para atender a determinadas conveniências religiosas, o que é lamentável e
grave.
No dia seguinte, ao fazer uma palestra na Sociedade Espírita Joanna de
Ângelis, em Juiz de Fora, aproveitei para contar o caso e comentar a respeito
dessas adulterações e como as pessoas não raciocinam, não enxergando tais
aberrações e mantendo ainda, infelizmente, uma fé cega e, o que é pior,
fanática.
Esse assunto motivou-nos uma preocupação: o que restará dos textos bíblicos e
evangélicos daqui a alguns anos ?
Outras reflexões nos ocorrem, inclusive a preocupação que os espíritas
devemos ter de preservar os livros da Codificação, sem jamais admitirmos que
sejam modernizados, modificados, atualizados.
Qualquer coisa nesse sentido será abrir um perigoso precedente, mesmo porque
não há o que modernizar ou o que atualizar, pois isso significaria modificar o
texto original, e a obra de um autor, recomenda a ética, é sagrada, não deve ser
retocada por ninguém e sob nenhum pretexto. Ainda mais quando se trata dos
livros da Codificação, se mais não fosse por ter caráter de revelação. Com dupla
característica: revelação divina e científica, que Allan Kardec esclarece em a
Gênese: “Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina
a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do
trabalho do homem”.
Pessoalmente, considero o discurso de Kardec atualíssimo, muito didático,
claro, estilo sóbrio e elegante, e não vejo motivo para colocá-lo na forma de
linguagem atual, como às vezes pretendem, o que representaria nivelar por baixo.
Como diz Alexandre, instrutor de André Luiz em Missionários da Luz, em outras
palavras, que nós, encarnados, queremos a presença e companhia dos Espíritos
Superiores e que estes baixem até nós, porém, não fazemos nenhum esforço
para subir até eles.
Ante tais provas de fanatismo, de intransigência, de sectarismo de nossos
irmãos que estão adulterando os textos bíblicos e evangélicos, é compreensível
que nos ocorram à mente comparações entre religiões e a Doutrina Espírita, que
prega o respeito ao próximo, a liberdade de consciência, a fraternidade,
revivescendo a mensagem do Cristo e conclamando os seres humanos a vivenciá-la.
Realmente, esse código de amor e solidariedade, de libertação das faixas
primárias da evolução, enfim, é ainda muito difícil de ser assimilado e
vivenciado. A sua vigência, portanto, depende de nós que já o entendemos,
aceitamos e divulgamos.
Afinal, de que vale ser espírita, acreditar na existência dos Espíritos, se
essa crença não nos torna melhores, mais pacientes, indulgentes e benignos? De
nada valeria, então, pois a humanidade permaneceria estacionária.
É o que nos alerta Allan Kardec no item 350 de O Livro dos Médiuns
(Do Jornal “Candeia Espírita – USE São José dos Campos – março/98)
(Jornal Mundo Espírita de Junho de 1998)