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As quatro legítimas verdades

(…) Foi o Dr. Carneiro de Campos quem me respondeu:

– “Ao convidar o caro Miranda para esta excursão de trabalho, não lhe
quisemos detalhar o compromisso em tela porque muitas dificuldades estavam em
pauta, aguardando solução. A fim de não deixá-lo ansioso, resolvemos esperar a
ajuda divina para inteirá-lo depois, qual ocorre neste momento.”

Fazendo uma pausa breve, deu continuidade à narração:

– “Oportunamente, ao ser liberado das Regiões infernais antigo comandante das
forças do mal – que reencontrou em Jesus a porta estreita da salvação graças aos
esforços sacrificiais e renúncias imensas de sua genitora – aqueles que
permaneceram no esquema da impiedade reuniram-se para tomar providências em
conjunto contra o que denominam como os exércitos do Cordeiro, que detestam.

“Estes seres, que se extraviaram em diversas reencarnações, assumindo
altíssimas responsabilidades negativas para eles mesmos, procedem, na sua
maioria, de Doutrinas religiosas cujos nomes denegaram com as suas condutas
relapsas, atividades escusas e cones extravagantes, nas quais o luxo e os
prazeres tinham primazia em detrimento dos rebanhos que diziam guardar, mas que
somente exploravam, na razão do quanto os desprezavam.

Ateus e cínicos, galgavam os altos postos que desfrutavam mediante o suborno,
o homicídio, as perversões sexuais, a politicagem sórdida, morrendo nos tronos
das honras e glórias mentirosas, para logo enfrentarem a consciência humilhada
e, sob tormentos inenarráveis, sintonizando com os sequazes que os aguardavam no
Além, sendo reconvocados aos postos de loucura, dispostos a enfrentar Jesus e
Deus, que negam e dizem desprezar…”

Após ligeira interrupção e medindo bem as palavras, prosseguiu:

– “As figuras mitológicas dos demônios e seus reinos, os abismos infernais e
os seus torturadores de almas são relatos inicialmente feitos por pessoas que
foram até ali conduzidas em desdobramento espiritual – por afinidade moral ou
pelos Mentores, a fim de advertirem as criaturas da Terra – antros sórdidos que
aqueles governam e onde instalaram o terror, dando a equivocada idéia de que
naquelas paragens não há tempo a transcorrer, num conceito absurdo de eternidade
a que se aferram diversas religiões, as quais mais atemorizam do que educam.

“Mártires e santos, profetas e escritores, artistas e poetas de quase todos
os povos e épocas, os que eram médiuns, visitaram esses Núcleos terrificadores e
conheceram os seus habitantes, trazendo, na memória, nítidas, as suas
configurações, que as fantasias e lendas enriqueceram com variações de acordo
com a cultura, a região e o tempo, presentes, portanto, na historiografia da
humanidade.

Variando de denominação, cada grupamento, como ocorre na Terra, tem o seu
chefe e se destina a uma finalidade coercitiva, reparadora. Periodicamente esses
chefes se reúnem e elegem um comandante a quem prestam obediência e submissão,
concedendo-lhe regalias reais… As ficções mais audaciosas não logram conceber
a realidade do que ocorre em tais domínios.

“Sandeus e absolutos, anularam a consciência no mal e na força, tornando-se
adversários voluntários da Luz e do Bem, que pretendem combater e destruir.

“Não se dão conta de que tal ocorre, porque vivem em um planeta ainda
inferior em processo de desenvolvimento, onde aqueles que o habitam, também são
atrasados, padecendo limites, em trânsito do instinto para a razão. lnobstante,
porém, luz, nesta época, o Consolador e em toda parte doutrinas de amor e paz
inauguram a Nova Idade na Terra, convidando o homem ao mergulho interior, ao
rompimento dos grilhões da ignorância, à solidariedade, ao bem… A ciência dá
as mãos à moral, e a filosofia redescobre a ética, para que a religião reate a
criatura ao seu Criador em um holismo profundo de fé, conhecimento e caridade,
numa síntese de sabedoria transcendental.

“Tudo marcha na direção de Deus, é inelutável.

A Grande Causa, a Inteligência Suprema, é o fulcro para o qual convergem
todos, mediante a vigorosa atração da Sua própria existência.

“As lutas de oposição desaparecem com relativa rapidez, rompendo-se as
barricadas e trincheiras que se tomam inúteis. A trajetória do progresso é
irrefreável. Só o Amor tem existência real e perene, lei que é da vida, por ser
a própria Vida. ”

Calou-se, novamente, e relanceou o olhar pelo veludo da noite salpicado de
gemas estelares, dando prosseguimento:

– “Na reunião que eles convocaram naquela oportunidade, ficou estabelecido
que o novo substituto deveria ser impiedoso ao extremo, sem qualquer
sensibilidade, cuja existência execranda no planeta houvesse espalhado o terror
e cuja memória inspirasse revolta e ódio… Após um mês voltariam a reunir-se.

“Naturalmente, foram buscados os sicários mais abjetos da Humanidade, que
fossilizavam nos antros mais hediondos das regiões subterrâneas de sofrimentos,
de onde foram retirados temporariamente para apresentação de planos, sua
avaliação de possibilidades de execução e logo votação.

“Difícil imaginar tais conciliábulos e conseqüente escrutínio para a eleição
de um Chefe.

“Recordando as reuniões de antigos religiosos, ontem como hoje, cada
representante se vestiu com as roupagens e características do seu poder, e,
acolitados pelo subalternos, compareceram em massa, diversos deles conduzindo os
seus candidatos para o pleito macabro e ridículo.

“A extravagância e o cinismo ilimitados fizeram-se presentes nas figuras
grotescas, asselvajadas umas, animalescas outras, em um cenário de horror, para
o que seria o grande momento de decisão, a conquista do mundo humano por tais
assaltantes espirituais.

“Mais de uma vintena de algozes da sociedade foram apresentados ao terrível
parlamento. Alguns encontravam-se hebetados em padecimentos que se
auto-impuseram; outros pareciam desvairados, e um número menor, com facies
patibular e olhos miúdos, fuzilantes, chamaram mais a atenção dos governantes e
da turbamulta alucinada que repletava as galerias daquele simulacro infeliz de
tribunal de julgamento e seleção.

“Nomes que fizeram tremer a Terra, no passado remoto como no mais recente,
foram pronunciados, enquanto, pessoalmente, eles se apresentavam ou eram
trazidos. Vários em estado de loucura foram apupados, embora os seus defensores
prometessem despená-los e colocá-los lúcidos para o ministério que lhes seda
delegado. A balbúrdia ensurdecedora interrompeu várias vezes as decisões.

Os árbitros, porém, ameaçaram expulsar a malta, que foi atacada por mastins
ferozes, até o momento em que assomou ao pódio um ser implacável, com postura
temerária, passos lentos, coxeando, corpo balouçante com ginga primitiva, que,
erguendo os braços para dominar o cenário, com facilidade o logrou, graças ao
terror que expressava nos olhos fulminantes.

“Quem o conduzia deu ligeira notícia do candidato, sem ocultar a felicidade
que o dominava:

– Tenho a honra de apresentar o inexcedível conquistador que submeteu o mundo
conhecido do seu tempo, na Ásia, e esteve na Terra, novamente, apenas uma vez
mais. As suas façanhas ultrapassaram em muito outros dominadores, graças à sua
absoluta indiferença pela vida e aos métodos que utilizava para a destruição da
raça humana. Fundou o segundo império mongol, realizando guerras cruentas.

“A sua existência corporal transcorreu durante o século XIV, havendo
renascido na Ásia Central, próximo a Samarcanda. Informando descender de Gengis
Khan, aos cinqüenta anos de idade alargou seus domínios do Eufrates à Índia,
impondo-se ao Turquestão, Coraçã, Azerbajá, Curdistão, Afeganistão, Fars. Logo
depois, invadiu a Rússia, a Índia, deixando um rastro de dezenas de milhares de
cadáveres, somente em Delhi, às portas da cidade e nos seus arredores… Cruel
até o excesso, realizou alguns trabalhos de valor na sua pátria, porém as suas
memórias são feitas de atrocidade e horror, por cujas razões, ao desencarnar,
mergulhou nas regiões abismais onde foi localizado, nas Trevas…”

O narrador fez breve silêncio para logo prosseguir ,

– “A medida que a arenga apaixonada conquistava os eleitores triunfantes, o
horror mais humilhava os presentes, que silenciaram diante do certamente
vencedor hediondo.

“Encerrada a apresentação do candidato, foi ele aceito por quase todos os
chefes e aclamado como o Soberano Gênio das Trevas, que se encarregada de
administrar os corretivos na humanidade, a qual ele propunha submeter e
explorar.

“Não ignoramos que o intercâmbio de energias psicofísicas entre os seres
inferiores desencarnados e os homens é muito maior do que se imagina. Legiões de
dezenas de milhões de criaturas de ambos os planos se encharcam de vitalidade,
explorando-se, umas às outras, mediante complexos processos de vampirização,
simbiose, dependência, gerando uma psicosfera morbífica, aterradora. Somente o
despertar da consciência logra interromper o comércio desastroso, no qual se
exaurem os homens, e mais se decompõem moralmente os Espíritos. Para sustentarem
tão tirânica interdependênda, são criados mecanismos e técnicas contínuas de
degradação das pessoas, que espontaneamente se deixam consumir por afinidade com
os seres exploradores, viciados inclementes, amolentados secularmente na
extravagante parasitose. Pululam, incontáveis, os casos dessa natureza.
Enfermidades degenerativas do organismo físico, desequilibrados mentais
desesperadores, disfunções nervosas de alto porte, contendas, lutas, ódios,
paixões asselvajadas, guerras e tiranias têm a sua geratriz nesses antros de
hediondez, onde as Forças do Mal, em forma de novos Lucíferes da mitologia,
pretendem opor-se a Deus e tomar-lhe o comando. Vão e inqualificável desvario
este do ser humano inferior. !

“O homem marcha, na Terra como nos círculos espirituais mais próximos,
ignorando ou teimando desconhecer a sua realidade como ser imortal, Espírito
eterno que é, em processo de ascensão. Dando preferência à sensação, na qual se
demora espontaneamente, em detrimento das emoções enobrecidas, jugula-se à
dependência do prazer, cristalizando as suas aspirações no gozo imediato e
retendo-se nas faixas punitivas do processo evolutivo. Face a tal comportamento,
reencarna e desencarna por automatismo, sob lamentáveis condições de
perturbação, perplexidade e interdependência psíquica.

As obsessões que atravessam decênios sucedem-se. O algoz de hoje, ao
reencarnar-se, toma-se a vítima que por sua vez, mais tarde, dá curso ao
processo infeliz até quando as Soberanas Leis interferem com decisão.

“As religiões, através dos seus sacerdotes, ministros, guias e chefes, na
maioria aferradas aos dogmas ultramontanos, preferem não descerrar a cortina da
ignorância, mantendo os seus rebanhos submissos, pelo menos convencionalmente,
em mecanismos de rude hipocrisia, desinteressadas do homem real, integral,
espiritual. Sucede que grande número desses condutores religiosos está vinculado
aos sicários espirituais, que os mantêm em dependência psíquica, explorados,
para que preservem o estado de coisas conforme se encontra. Por tal razão,
quando as doutrinas libertadoras se apresentam empunhando as tochas do
discernimento, seus apologistas, membros divulgadores e realizadores, são
perseguidos, cumulados de aflições e tormentos, para que desistam, desanimem ou
se submetam aos mentirosos padrões dos triunfos terrenos.”

O Benfeitor calou-se por ligeiro espaço de tempo, e, lúcido, adiu:

“Pode parecer que o Pai Misericordioso permanece indiferente ao destino dos
filhos sob o domínio das sombras de si mesmos. No entanto, não é assim.
lncessantemente Sua Voz convida ao despertamento, à reflexão, à ação correta,
usando os mais diversos instrumentos, desde as forças atuantes do Universo aos
missionários e apóstolos da Verdade, que não são escutados nem seguidos.

“Os líderes da alucinação tornam-se campeões das massas devoradoras, enquanto
as vozes do bem clamam no deserto. Milhares de obreiros desencarnados operam em
silêncio, nas noites terrestres, acendendo luzes espirituais, em momentosos
intercâmbios que são considerados, no estado de consciência lúcida, no corpo,
como sonhos impossíveis, fantasias, construções arquetípicas, em conspiração
sistemática a favor das teses materialistas.

Essas explicações, algumas esdrúxulas, travestidas de científicas, são
aceitas, inclusive, pelos religiosos, que aí têm seus mecanismos escapistas para
fugirem aos deveres e responsabilidades maiores.

“Desnecessário confirmar que as nobres conquistas das ciências da alma,
inclusive as abençoadas experiências de Freud, de Jung e outros eminentes
estudiosos, fundamentam-se em fatos incontestáveis. Algumas das suas conclusões
merecem, porém, reestudo, reexame e conotações mais modernas, nunca descartando
a possibilidade espiritualista, hoje considerada pelas novas correntes dessas
mesmas doutrinas.

“Quando as criaturas despertarem para a compreensão dos fenômenos profundos
da vida, sem castração ou fugas, sem ganchos psicológicos ou transferências,
romper-se-ão as algemas da obsessão na sua variedade imensa, ensejando o
encontro do ser com a sua consciência, o descobrimento de si mesmo e das
finalidades da existência corporal no mapa geral da sua trajetória eterna.”

Mais uma vez, o venerável Instrutor fez uma pausa, facultando-nos assimilar o
conteúdo das suas palavras, para logo dar continuidade:

– “Posteriormente informado das razões que o elevaram ao supremo posto,
representativo daqueles grupos hostis, o Chefe pediu um prazo para elaboração de
planos, solicitando a presença de hábeis conselheiros de períodos diferentes da
História, a ele semelhantes na estrutura psíquica, de modo a inteirar-se das
ocorrências no planeta.

“As reuniões sucederam-se tumultuadas, violentas, sempre acalmadas pela
agressividade do Soberano, que, ciente das novas revelações da Verdade na Terra,
do advento do Consolador e seu programa de reestudo e vivência do Cristianismo,
das incursões modernas do Espiritualismo ancestral na sociedade contemporânea,
todos formando diques contra as águas volumosas da destruição, resolveu escutar
fracassados conhecedores do comportamento das criaturas, tanto na área sexual
como na econômica e na social – pois que nesses recintos transitam aqueles que
se comprometeram negativamente perante a Vida – após o que estabeleceu o seu
programa, que ironicamente denominou como as quatro legítimas verdades, em
zombeteira paráfrase ao código de Buda em relação ao sofrimento: as quatro
Nobres Verdades.

“Em reunião privada com os chefes de grupos, explicitou o programa que
elaborara para ser aplicado em todas as suas diretrizes e com pormenorizado
zelo.

“Primeiro: o homem – redefiniu o novo Soberano das Trevas – é um
animal sexual
que se compraz no prazer. Deve ser estimulado ao máximo, até a
exaustão, aproveitando-se-lhe as tendências, e, quando ocorrer o cansaço,
levá-lo aos abusos, às aberrações. Direcionar esse projeto aos que lutam pelo
equilíbrio das forças genésicas é o empenho dos perturbadores, propondo
encontros, reencontros e facilidades com pessoas dependentes dos seus comandos
que se acercarão das futuras vítimas, enleando-as nos seus jogos e envolvimentos
enganosos. Atraído o animal que existe na criatura, a sua dominação será questão
de pouco tempo. Se advier o despertamento tardio, as conseqüências do
compromisso já serão inevitáveis, gerando decepções e problemas, sobretudo
causando profundas lesões na alma. O plasma do sexo impregna os seus usuários de
tal forma que ocasiona rude vinculação, somente interrompida com dolorosos
lances passionais de complexa e difícil correção.

“Segundo: o narcisismo é filho predileto do egoísmo e pai do
orgulho, da vaidade, inerentes ao ser humano
. Fomentar o campeonato da
presunção nas modernas escolas do Espiritualismo, ensejando a fascinação, é item
de alta relevância para a queda desastrosa de quem deseja a preservação do ideal
de crescimento e de libertação. O orgulho entorpece os sentimentos e intoxica o
indivíduo, cegando-o e enlouquecendo-o. Exige corte, e suas correntes de ambição
impõem tributários de sustentação. Pavoneando-se, exibindo-se, o indivíduo
desestrutura-se e morre nos objetivos maiores, para cuidar apenas do exterior,
do faustoso – a mentira de que se insufla.

“Terceiro: o poder tem prevalência em a natureza humana.
Remanescente dos instintos agressivos
, dominadores e arbitrários, ele se
expressa de várias formas, sem disfarce ou escamoteado, explorando aqueles que
se lhe submetem e desprezando-os ao mesmo tempo, pela subserviência de que se
fazem objeto, e aos competidores e indomáveis detestando, por projetar-lhe
sombra. O poder é alçapão que não poupa quem quer que lhe caia na trampa.
Ademais a morte advém, e a fragilidade diante de outras forças aniquila o
iludido.

“Quarto: o dinheiro, que compra vidas e escraviza almas, será outro
excelente recurso decisivo. A ambição da riqueza, mesmo que mascarada, supera a
falsa humildade, e o conforto amolenta o caráter, desestimulando os sacrifícios.
Sabe-se que o Cristianismo começou a morrer, quando o martirológio foi
substituído pelo destaque social, e o dinheiro comprou coisas, pessoas e até o
reino dos céus, aliciando mercenários para manter a hegemonia da fé…

“Quem poderá resistir a essas quatro legítimas verdades? – interrogou
-. Certamente, aquele que vencer uma ou mais de uma, tombará noutra ou em várias
ao mesmo tempo.

“Gargalhadas estrepitosas sacudiram as furnas. E a partir de então, os
técnicos em obsessão, além dos métodos habituais, tomaram-se especialistas no
novo e complexo programa que em todos os tempos sempre constituiu veículo de
desgraça, agora mais bem aplicado, redundando em penosas derrotas. Não será
necessário que detalhemos casos a fim de analisarmos resultados.”

Aprofundando reflexões, o Amigo concluiu:

“Precatem-se, os servidores do Bem, das ciladas ultrizes do mal que tem
raízes no coração, e estejam advertidos. Suportem o cerco das tentações com
estoicismo e paciência, certos de que o Pai não lhes negará socorro nem
proteção, propiciando-lhes o que seja mais . importante e oportuno. Ademais, não
receiem as calúnias dos injuriadores que os não consigam derrubar. Quando
influenciados pelos assessores dos Gênios, mantenham-se intimoratos nos ideais
abraçados. A vitória tem a grandeza da dimensão da luta travada.

“Este desafio, que nos tem merecido a mais ampla e minudente consideração,
qual ocorre com inúmeros Benfeitores do Mundo Maior, é uma das razões de nos
encontrarmos em atividade com o irmão Vicente e os membros da Casa que ele
dirige.

“Agora, sigamos ao trabalho que nos espera. ”

Havia no ar da noite silenciosa a presença de bênçãos que aspiramos em longos
haustos, enquanto nos dirigíamos para a sede dos nossos labores.

Reflexões Necessárias

Não tive tempo de arregimentar perguntas, tal o esfervilhar de pensamentos
que me agitavam a casa mental.

A narração breve do Instrutor fornecia-me explicações para melhor entender
vários acontecimentos infelizes que pairavam agitando a economia moral da
sociedade, especial e particularmente dos cristãos novos, dos espiritualistas
modernos e dos estudiosos da mente que, interessados nos padrões éticos e
superiores do comportamento, subitamente naufragavam nos ideais ou os
abandonavam, padecendo graves ulcerações espirituais. Compreendia melhor a
irrupção do sexo desvairado a partir dos anos sessenta deste século, o alucinar
pelas drogas, a mudança dos padrões morais e o crescimento da violência, o
abandono a que as gerações jovens foram atiradas, as falsas aberturas para a
liberdade sem responsabilidade pelos atos praticados, a música ensurdecedora, a
de metais, a de horror, a satânica, e tantas outras ocorrências…

Está claro que o processo antropossociológico da evolução, às vezes, deve
arrebentar determinados compromissos para abrir novos espaços experimentais, que
irão compor o quadro das necessidades evolutivas do homem e da mulher. A moral
social, geográfica, aparente, deve ceder lugar à universal, à que está ínsita em
a Natureza, àquela que dignifica e promove, superando e abandonando as
aparências irrelevantes e desacreditadas.

Verificava que a transição histórica de um para outro período é semelhante a
um demorado parto, doloroso e complexo, do qual nascem novos valores e a vida
enfloresce.

Não seriam, os períodos de convulsão danosa, gerados por mentes destruidoras
sediadas no Além?

Teriam gênese, em programações semelhantes, as súbitas alterações sociais que
sacudiam até ao desmoronamento, nações e povos, abalando a Humanidade?

Partindo do princípio de que a vida real e causal é a que tem origem e
vigência na Erraticidade, no mundo espiritual, conforme os acontecimentos, suas
matrizes desencadeadoras estão aqui e daqui partem por indução, inspiração e
interferência direta, através da reencarnação de membros encarregados de
perturbar a ordem geral. Embora suponham estar agindo por vontade própria,
ei-los sob o Comando Divino, que os utiliza indiretamente para despertar as
consciências adormecidas, para as altíssimas finalidades da vida.

Recordava-me de amigos que haviam reencarnado com tarefas específicas e
nobres, para agirem com elevação e desdobrarem o programa de iluminação
espiritual, e que derraparam lamentavelmente, alguns sendo retirados antes de
mais infelizes comprometimentos, e outros abraçando esdrúxulas condutas,
fazendo-se crer auto-suficientes, superiores, revoltados…

Tinha em mente as tarefas estabelecidas e aceitas com entusiasmo antes da
reencarnação ou ditadas mediunicamente, que produziam impactos felizes, mas que
logo pareciam perder o significado para os seus responsáveis, que as abandonavam
ou as alteravam a bel-prazer para seguirem noutros rumos…

Observava sempre a facilidade com que certos líderes carismáticos eram
seguidos por multidões hipnotizadas, e astros do desequilíbrio galvanizavam as
massas, aturdindo-as, fazendo-as adorá-los, naturalmente sob controles
espirituais poderosos das Trevas.

O caso Davi, mais especificamente, tornava-se um exemplo concreto da
consumação das quatro legítimas verdades perturbadoras. Todo o empenho de seus
Mentores e de alguns amigos encarnados não resultou positivo, intoxicado que
estava pela presunção narcisista, atraído pelo sexo irresponsável, fascinado
pelo dinheiro e, no íntimo, ambicionando o destaque, o poder…

O labor de Jesus, o Cordeiro sacrificado, é todo de abnegação e renúncia, de
amor e humildade, de persuasão afetuosa, jamais de imposição arbitrária.

Como efeito, crêem os apressados, que vitórias são a da ganância, da força e
do brilho rápido das luzes da fama…

Compreendia melhor, a partir daquele momento, que as imperfeições da criatura
humana são as responsáveis pelo fracasso de bem organizados planos, pelas
perturbações que se generalizam, pelas opções extravagantes, pelo desdobrar das
paixões asselvajadas, em razão do nível inferior de consciência no patamar em
que transita a maioria das pessoas. Não obstante, estimuladas essas expressões
primárias em domínio ou ainda remanescentes no ser, é fácil entender a loucura
avolumada na Terra, a falência dos padrões éticos e o anseio pelo retomo às
manifestações primevas do ser.

Raciocinando sobre os planos do Soberano Gênio das Trevas, tomaram-se-me
lógicas as ocorrências que antes me pareciam absurdas, quase impossíveis de
acontecer.

No momento em que a cultura atinge as suas mais altas expressões; quando a
Ciência mais se aproxima de Deus auxiliada pela Tecnologia, e o homem sonha com
a possibilidade de detectar vida fora da Terra, igualmente campeiam a hediondez
do comportamento agressivo; a excessiva miséria de centenas de milhões de
pessoas, social e economicamente abandonadas à fome, às doenças, à morte
prematura; o erotismo extravagante em generalização; a correria às drogas e aos
excessos de toda natureza, tornando-se para mim um verdadeiro paradoxo da
sociedade.

O homem e a mulher terrestres, ricos de aspirações enobrecidas, ainda não
conseguem desligar-se dos grilhões dos instintos perturbadores, muitas vezes
amando e matando, salvando vidas e estiolando-as em momentos de alegria ou de
revolta. Essa visão aflige-me como sendo um espetáculo inesperado no processo da
evolução.

Aprofundando, agora, a reflexão nas paisagens da obsessão dos grupos humanos
e da procedência de um programa de paulatina subjugação mental das massas,
melhor passei a entender a luta ancestral, quase mitológica, do Bem e do Mal,
das forças existentes em a natureza humana propelindo para um outro
comportamento.

Observava, desde há algum tempo, a conduta de pessoas dedicadas ao
Espiritualismo, que se apresentavam portadores de idéias
materialistas-utilitaristas, sempre usando a verruma, a acidez e a zombaria
contra os seus confrades, por pensarem de forma diferente e não se lhes
submeterem à presunção, aos caprichos, ao comando mental. Pugnando sempre
contra, e atacando, descobrem erros em tudo e todos, apresentando-se com
desfaçatez como defensores do que chamam a Verdade, somente eles possuindo visão
e interpretação correta do pensamento que vitalizam e divulgam. E claro que
sempre os houve em todas as épocas da Humanidade, porém agora são mais
audaciosos.

Indaguei-me, naquele momento, se não estariam a soldo psíquico de tais
manipuladores de obsessões ou se não seriam alguns membros desses grupos ora
reencarnados? Sem qualquer censura a esses indivíduos, alguns certamente
sinceros na forma de se conduzirem, inquiri-me: por que não concediam o direito
aos demais de serem conforme lhes aprouvesse, enquanto eles seguiriam na sua
maneira especial de entendimento?

Há, sem dúvida, muitas complexidades no processo da evolução, que se vão
delineando e explicando lentamente, à medida que os Espíritos galgam degraus
mais elevados. Por isso mesmo, as revelações se fazem gradativamente, dando,
cada uma, tempo para que a anterior seja digerida pelas mentes e aplicadas nos
grupos sociais.

A Sabedoria Divina jamais deixou a criatura sem os promotores do progresso,
que vêm arrancando o ser da ignorância para o conhecimento.

Essas reflexões levaram-me a uma melhor compreensão do próximo, ensejando-me
simpatia e amor pelos companheiros da retaguarda, encarnados ou não, e maior
respeito pelos nobres Guias da Humanidade, sempre pacientes e otimistas,
incansáveis na tarefa que abraçam como educadores amoráveis que são.

Tem sido sempre crescente o meu afeto a Allan Kardec, por ele haver facultado
à mediunidade esclarecida elucidar o comportamento humano e permitir a
penetração do entendimento no mundo espiritual. Graças ao Espiritismo, novos
descortinos e constantes informações ajudam o ser humano a compreender a
finalidade da sua existência na Terra, as metas que lhe cumpre alcançar através
de contínuos testes e desafios.

Olhando a multidão ainda em movimento pelas ruas por onde transitávamos na
grande cidade, um sentimento de ternura e compaixão amorosa assomou-me,
levando-me às lágrimas.

Percebendo-me a emoção silenciosa, o Dr. Carneiro de Campos enlaçou-me o
ombro, e falou:

– “Há muito por fazer em favor do nosso próximo, onde quer que se encontre.
Aqueles que já despertamos para a compreensão da Vida, temos a tarefa de acordar
os que se demoram adormecidos, sem lhes impor normas de conduta ou oferecer-lhes
paisagens espirituais que ainda não podem penetrar. Se alguns pudessem conhecer
a realidade que ora enfrentamos, enlouqueceriam de pavor, se suicidariam,
tombariam na hebetação… O nosso dever induz-nos a ajudá-los a elevar-se, a
pouco e pouco, identificando as finalidades existenciais e passando a vivê-las
melhor.”

Fazendo uma pausa oportuna, continuou:

– “Em nossa esfera de ação encontramos, a cada instante, irmãos equivocados,
iludidos pelas reminiscências terrestres, defendendo os interesses malsãos dos
familiares e afetos, preocupados com as querelas do corpo já diluído no túmulo,
negando-se à realidade na qual se encontram. Agimos com eles pacientemente,
amorosamente, confiando no tempo. Ora, em relação aos encarnados, a questão
faz–se mais complexa, exigindo-nos maior quota de compreensão e de bondade. O
anestésico da matéria, que bloqueia muitas percepções do Espírito, terá que ser
vencido vagarosamente, evitando-se choques danosos ao equilíbrio mental e
emocional dos indivíduos.

“Assim, prossigamos confiantes, insistindo e perseverando, sem aguardar
resultados imediatos, impossíveis de ser atingidos.”

Chegamos, por fim, ao núcleo das atividades, onde outros deveres nos
aguardavam.

(de Trilhas da Libertação – Divaldo P Franco – Manoel Philomeno de Miranda
(espírito) pág. 97 a 115).