Caridade e Amor
Mas o que faz essa referência à lei do amor num capítulo sobre a caridade? A
resposta está no vínculo entre amor e caridade que indicamos na seção 3, vínculo
destacado por Kardec no comentário da passagem evangélica sobre o mandamento
maior. É no final desse comentário que aparece o primeiro enunciado do famoso
princípio: “Fora da caridade não há salvação”.
A propósito da caridade implicitamente contida no mandamento maior, vale
abrir um parêntese para lembrar que, numa outra ocasião em que Jesus foi
questionado sobre o assunto, apresentou o mandamento numa versão diferente:
“Fazei aos homens tudo o que queirais que eles vos façam”, acrescentando: “pois
é nisso que consistem a lei e os profetas” (Mt. 7:12). Nessa versão,
conhecida como a “regra áurea”, está explícito o caráter ativo do mandamento, ou
seja, a caridade. Kardec cita e comenta essa passagem no capítulo 11 do
Evangelho segundo o Espiritismo, “Amar o próximo como a si mesmo”.
Ciente da velha polêmica teológica, em que se pretendeu usar palavras
atribuídas a Paulo para justificar a tese da salvação pela fé, Kardec
transcreveu, no item 6 desse capítulo, o trecho da primeira carta do apóstolo
aos coríntios que reproduzimos no final da seção precedente. Dá ao tópico o
título “Necessidade da caridade, segundo S. Paulo”. Seria uma provocação?
Certamente que não, pois provocações e polêmicas eram incompatíveis com seu
equilíbrio, sua serenidade e seu espírito cristão. Foi, sim, a exposição firme e
inequívoca de uma das conseqüências da análise espírita da moral e da religião,
talvez a conseqüência de maior importância para a Humanidade.
Apesar dessa concordância da análise espírita com parte da interpretação
católica da questão da caridade – a saber, a importância das obras para a
salvação –, Kardec exerce a seguir a sua imparcialidade, criticando a máxima
católica de que “Fora da Igreja não há salvação”. Após a refutação enérgica
desse princípio, estende a crítica à máxima associada, “Fora da verdade não há
salvação”. Ambos os princípios são mostrados não apenas carecer de fundamentação
evangélica e racional, mas também serem nocivos ao bem da Humanidade, já que
induzem ao sectarismo, à intolerância e ao obscurantismo.
O capítulo é encerrado com uma eloqüente comunicação mediúnica do próprio
Paulo, em que o princípio-síntese “Fora da caridade não há salvação” e o papel
do Espiritismo na sua implantação são comentados com palavras de grande
profundidade, que não nos atreveríamos a resumir aqui. Tome, leitor amigo, seu
exemplar de O Evangelho segundo o Espiritismo agora mesmo, e não adie o
privilégio de poder fruir a beleza e a transcendência de um texto como esse.
Obras citadas
- Bíblia. Trad. João Ferreira de Almeida.Rio de Janeiro, Sociedade
Bíblica do Brasil, s. d. - Bíblia. Trad. da Vulgata e anotado por Matos Soares. 5a
ed., São Paulo, Pia Sociedade de São Paulo, s.d. (reimprimatur 1951). - Chave Bíblica. Brasília, Sociedade Bíblica do Brasil, 1970.
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- Novo Testamento. Trad. segundo o original grego. Sociedade Bíblica
Americana, Nova York, s. d. - Novo Testamento, Salmos e Provérbios. Trad. João Ferreira de
Almeida. Os Gideões Internacionais, edições de 1977 e 1979.
Artigo publicado em Mundo Espírita, março/2000