Carta a Chico Xavier
Poços de Caldas, 30 de Junho de 2002.
Chico;
Fiquei sabendo hoje que deixaste teu velho corpo.
E como estou surpreso por isto.
Não, não me surpreendeu o fato de teres deixado este mundo pois sabia o
quanto teu corpo estava cansado e frágil. Surpreendi-me com o modo como isso se
deu.
É que sempre imaginei que este dia estava sendo preparado como um evento
especial. Achava que teus amigos aí desse lado da vida usariam tua “morte” a fim
de chamarem a atenção para a tua vida. Imaginei que no dia seguinte ao teu
desenlace as pessoas chegariam ao trabalho falando de ti.
Estava enganado.
Partiste justamente hoje.
A televisão noticiou teu falecimento em 15 segundos. Em seguida, voltou a
mostrar a repercussão da conquista do penta campeonato brasileiro.
Amanhã as pessoas chegarão ao trabalho falando, não de ti, mas do futebol
brasileiro.
Deixaste a existência no mundo pelo elevador de serviço, sem alarde,
discretamente.
E, confesso, isto me fez finalmente compreender.
É claro que já havia entendido teoricamente o fato de Jesus ter optado nascer
numa estrebaria e conviver com pescadores e prostitutas mesmo podendo ter
nascido, se quisesse, entre os poderosos.
Claro que já havia entendido teoricamente o objetivo daquele outro Francisco
ao renunciar toda a sofisticação da sua abastada vida em Assis para mostrar aos
cristãos o quanto eles estavam distantes da verdadeira mensagem do Cristo.
Claro que já havia entendido.
Só não havia ainda compreendido.
E, mais do que tua vida, tua “morte” isto me proporcionou.
É que tudo isto é simples demais para se compreender assim com facilidade. O
que é simples é, mesmo, o mais difícil.
E por ser difícil é que muitos, sem compreender, tentarão “te fazer justiça”.
Gritarão aos quatro ventos o quanto foste sublime. Tentarão compensar esta
discreta notícia de tua “morte” com discursos e textos inflamados, exaltando a
tua angelitude.
Estão enganados.
Não, não és nenhum anjo, eu sei.
Foste apenas gente.
És apenas simples.
Simples como aquele menino Jesus que ensinou Fernando Pessoa a ver “todas as
coisas que há nas flores”.
Nós não, Chico.
Nós temos sido muito mais que isso.
Somos inteligentes e destemidos, sábios e humildes, moralizados e caridosos,
sofisticados e filosóficos, científicos e religiosos.
Ah Chico, qual foi a Fada que te transformou em gente?
Intercede a nosso favor perante ela.
Não suportamos mais ser tão bons em tudo.
Precisamos, com urgência, sermos como tu:
Gente.
Simplesmente gente.