As Contradições de Origem Espírita
Com relação às contradições que às vezes podemos observar no ensino dos
Espíritos aos homens, cumpre dar atenção a algumas nuanças desse comércio, cada
vez mais intenso entre os dois mundos: Carnal e Espiritual.
Essas nuanças não foram negligenciadas pelo Codificador que inseriu em “O
Livro dos Espíritos” e em “O Livro dos Médiuns”, algumas importantes observações
que passaremos a realçar. Ensina, então, o Mestre Lionês (2):
“Para se compreender a causa e o valor das contradições de origem espírita, é
preciso estar-se identificado com a natureza do mundo Invisível e tê-lo estudado
por todas as suas faces.
À primeira vista, parecerá estranho que os Espíritos não pensem todos da
mesma maneira, mas isso não pode surpreender a quem quer que se haja
compenetrado de que infinitos são os graus que eles têm de percorrer antes de
chegarem ao cimo da evolução. Supor-lhes igual apreciação das coisas fora
imaginá-los todos do mesmo nível; pensar que todos devem ver com justeza, fora
admitir que todos já chegaram à perfeição, o que não é exato e não o pode ser,
desde que se considere que eles não são mais do que a Humanidade despida do
envoltório corporal. Podendo manifestar-se Espíritos de todas as categorias,
resulta que suas comunicações trazem o cunho da sua ignorância ou do saber que
lhes seja peculiar no momento, o da inferioridade, ou da superioridade moral que
alcançaram. A distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau, é az que devem
conduzir as instruções que temos dado.
Cumpre não esqueçamos que, entre os Espíritos, há, como entre os homens,
falsos sábios e semi-sábios, orgulhosos, presunçosos e sistemáticos. Como só aos
Espíritos perfeitos é dado conhecerem tudo, para os outros há, do mesmo modo que
para nós, mistérios que eles explicam à sua maneira, segundo suas idéias, e a
cujo respeito podem formar opiniões mais ou menos exatas, que se empenham,
levados pelo amor-próprio, porque prevaleçam e que gostam de reproduzir em suas
comunicações. O erro está em terem alguns de seus intérpretes esposado mui
levianamente opiniões contrárias ao bom senso e se haverem feito editores
responsáveis delas. Assim, as contradições não derivam de outra causa, senão
da diversidade, quanto à inteligência, aos conhecimentos, ao juízo e à
moralidade, de alguns Espíritos que ainda não estão aptos a tudo conhecerem e
tudo compreenderem“.
No mesmo livro e capítulo, dois itens à frente (301), Allan Kardec alinha
algumas indagações e obtém esclarecedoras respostas:
1ª – Comunicando-se em dois Centros diferentes, pode um Espírito dar-lhes,
sobre o mesmo ponto, respostas contraditórias?
Resposta: “Se nos dois Centros as opiniões e idéias diferirem, as
respostas poderão chegar-lhes desfiguradas, por se acharem eles sob a influência
de diferentes colunas de Espíritos. Então não é a resposta que é contraditória,
mas a maneira por que é dada”.
2ª – Concebe-se que uma resposta pode ser alterada; mas, quando as qualidades
do médium excluem toda idéia de má influência, como se explica que Espíritos
Superiores usem de linguagens diferentes e contraditórias sobre o mesmo assunto,
para com pessoas perfeitamente sérias?
Resposta: “Os Espíritos realmente superiores jamais se contradizem e a
linguagem de que usam é sempre a mesma, com as mesmas pessoas. Pode, entretanto,
diferir, de acordo com as pessoas e os lugares. Cumpre, porém, se atenda que a
contradição, às vezes, é apenas aparente; está mais nas palavras do que nas
idéias; portanto, quem reflita verificará que a idéia fundamental é a mesma.
Acresce que o mesmo Espírito pode responder diversamente sobre a mesma questão,
segundo o grau de adiantamento dos que o evocam, pois nem sempre convém que
todos recebam a mesma resposta, por não estarem todos igualmente adiantados. É
exatamente como se uma criança e um sábio te fizessem a mesma pergunta. De
certo, responderíeis a uma e a outro de modo que te compreendessem e ficassem
satisfeitos. As respostas, nesse caso, embora diferentes, seriam
fundamentalmente idênticas”.
3ª – Com que fim Espíritos sérios, junto de certas pessoas, parecem aceitar
idéias e preconceitos que combatem junto de outras?
Resposta: “Cumpre nos façamos compreensíveis. Se alguém tem uma
convicção bem firmada sobre uma doutrina, ainda que falsa, necessário é que lhe
tiremos essa convicção, mas pouco a pouco. Não é de bom alvitre atacar
bruscamente os preceitos. Esse é o melhor meio de não ser ouvido. Os Espíritos
apropriam sua linguagem às pessoas, como tu mesmo farás, se fores um orador mais
ou menos hábil.
4ª – As contradições, mesmo aparentes, podem lançar dúvidas no Espírito de
algumas pessoas. Que meio de verificação se pode ter, para conhecer a Verdade?
Resposta: “Estudai, comparai, aprofundai… Incessantemente vos
dizemos que o conhecimento da Verdade só a esse preço se obtém. A missão dos
Espíritos é destruir o erro, mas isso não se pode efetuar senão gradativamente”.
8ª – De todas as contradições que se notam nas comunicações dos Espíritos,
uma das mais frisantes é a que diz respeito à reencarnação. Como se explica que
nem todos os Espíritos a ensinem?
Resposta: “Não sabeis que há Espíritos cujas idéias se acham limitadas
ao presente, como se dá com muitos homens na Terra? Julgam que a condição em que
se encontram tem que durar sempre. Nada vêem além do círculo das suas percepções
e não se preocupam com o saberem donde vêm, nem para onde vão. Sabem que o
Espírito progride, mas de que maneira? Têm isso como um problema.
(…) Se dissidências capitais se levantam, quanto ao princípio mesmo da
Doutrina, de uma regra certa dispondes para as apreciar: A melhor doutrina é a
que satisfaz ao coração e à razão e a que mais elementos encerra para levar os
homens ao bem. Essa eu vo-lo afirmo, é a que prevalecerá”.
Continuando os esclarecimentos, pondera, ainda, o Mestre Lionês(3):
“Das causas seguintes podem derivar-se as contradições que se notam nas
comunicações espíritas: da ignorância de certos Espíritos; do embuste dos
Espíritos inferiores que, por malícia ou maldade, dizem o contrário do que disse
algures o Espírito cujo nome usurpam; da vontade do próprio Espírito, que fala
segundo os tempos, os lugares e as pessoas, e que pode julgar conveniente não
dizer tudo a toda gente; da insuficiência da linguagem humana para exprimir as
coisas do mundo incorpóreo; da insuficiência dos meios de comunicação, que nem
sempre permitem ao Espírito expressar todo o seu pensamento; enfim, de
interpretação que cada um pode dar a uma palavra ou a uma explicação, segundo
suas idéias, seus preconceitos, ou o ponto de vista donde consideram o assunto.
Só o estudo, a observação, a experiência e a isenção de todo sentimento de
amor-próprio podem ensinar a distinguir estes diversos matizes.
A contradição, ademais, nem sempre é tão real quanto possa parecer. Pueril,
portanto, seria apontá-la onde freqüentemente só há diferença de palavras”.
Fechando a questão das contradições, elucida o ínclito filho de Lyon (4);
“(…) O argumento supremo deve ser a razão. A moderação garantirá a
vitória da verdade contra as diatribes envenenadas pela inveja e o ciúme. Os
bons Espíritos só pregam a união e o amor ao próximo, e jamais um pensamento
malévolo ou contrário à caridade pode provir de fonte pura”.
Atentemos para as seguintes palavras de Santo Agostinho (4):
“(…) Quereis saber sob a influência de que Espíritos estão as diversas
seitas que entre si fizeram a partilha do mundo? Julgai-o pelas suas obras e
pelos seus princípios. Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal;
jamais aconselharam ou legitimaram o assassínio ou az violência; jamais
estimularam os ódios de partidos, nem a sede de riquezas e das honras, nem a
avidez dos bens da Terra. Os que são bons, humanitários e benevolentes para com
todos, esses os seus prediletos e prediletos de Jesus, porque seguem a estrada
que Este indicou para chegarem até Ele”.
1 – Kardec, A. in “O Livro dos Espíritos” – Introdução, § XIV
3 – Kardec, A. in “O Livro dos Médiuns” – Capítulo XXVII, item 302
4 – Kardec, A. in “O Livro dos Espíritos” – Conclusão, § IX
(Jornal Mundo Espírita de Setembro de 1997)