Diálogo com o Demônio
– Eu sou o Demônio!
– Não és. Isso eu te digo com a mais absoluta certeza.
– Mas como ousas dizê-lo? Queres asseverar que eu não sou o que sou?
– Não és o que julgas ser.
– Que audácia! Como me explicarias esse absurdo? Porventura ignoras que eu
sou protagonista na Bíblia e nas religiões?
– Insisto em assegurar-te que não és esse personagem fictício, ainda hoje
capaz de apavorar tanta gente.
– Fictício? Enlouqueceste, por acaso? Não estás me vendo e me ouvindo, e
ousas afirmar que não existo?
– Não só não existes, como também jamais poderias existir. Não és O, mas
apenas UM demônio. Compreendes, agora?
– Não. Eu fui criado para fazer sempre o mal e tramar a queda de todas as
almas. Eu consegui tentar até o Crucificado
– Enganas-te. Deus só cria para o bem: tu é que te imaginas predestinado à
maldade. Lembra-te que também és criatura de Deus. Quanto às tentações sofridas
pelo Mestre, trata-se de provável equívoco do texto bíblico. Admitirias a
possibilidade de provação pecaminosa em alguém já aureolado pelas mais nobres
conquistas da angelitude? Os anjos são inacessíveis a quaisquer influenciações
da animalidade.
– Mas eu consegui induzir o Sinédrio a crucificar Jesus. Eu ainda o vejo
vencido, humilhado e morto no Calvário.
– Não conseguiste coisa alguma. O Mestre desencarnou daquela forma porque
quis. Na verdade, não foi vencido, venceu; não morreu como ser aniquilado, pois
prossegue, triunfante, na realização de sua obra redentora da Terra e de sua
humanidade.
(O Demônio senta-se na relva, em postura meditativa, enquanto o sol delineia,
no horizonte, os primeiros acordes da sinfonia do poente.)
– Tu me confundes com essa dialética estranha. Então, não há um só mas vários
demônios?
– Sim. São os próprios homens, quando empenhados na transgressão da Lei.
– E qual seria, na tua cosmovisão, o destino deles?
– Todos se tornarão anjos, depois de burilados pela dor e iluminados pelo
Amor. Os santos de hoje são os pecadores de ontem, como os pecadores de hoje são
os santos de amanhã. Mas escuta bem: isso não é “milagre” ou “graça”, mas
conquista individual, pela Lei do Mérito.
– Em que te baseias para ensinar isso?
– Na afirmação categórica do nosso Divino Mestre: “Nenhuma das ovelhas que o
Pai me confiou se perderá”.
– Oh, tiraram meus chifres, meu rabo e meu tridente! Sou também uma criatura
humana, e com esperança de salvação?
– E como não? Também és ovelha do imenso rebanho do Galileu.
– Isso me confunde mais ainda!… quem és tu?
– Um ser humano qualquer, um irmão teu, que já foi muito demônio, porém agora
disposto a sair do inferno.
– Do inferno, disseste?
– Claro. Do inferno que cada um cria dentro de si.
(Revista O Espírita – nº 100 – abr/ago-98.)
(Jornal Mundo Espírita de Novembro de 98)