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Grupo de desobsessão

Se o Espiritismo é a doutrina que prevê o intercâmbio
com o mundo espiritual, todo problema de inter-relacionamento com os espíritos
deve ser analisado e tratado no meio espírita. Ora, observa-se que os casos de
obsessão espiritual persistem em todos os níveis espíritas, além naturalmente de
sua proliferação fora do circuito espírita. Porém não se fala em atualizar e
criar novos grupos de desobsessão, com a finalidade de tratamento da obsessão
espiritual.

Toda casa espírita que se preza deveria ter um grupo de desobsessão, fechado
e restrito, formado por um pequeno número de médiuns reconhecidamente
experientes, escolhidos com o critério do bom senso, para a delicada tarefa de
conscientização e esclarecimento do espírito obsessor, por via da palavra oral.
Deve-se evitar o crescimento exagerado do grupo de desobsessão, para não se
tornar heterogêneo, fugindo das características de um grupo especializado para o
tratamento da obsessão espiritual.

Além das controvérsias doutrinárias no meio intelectual espírita, verifica-se
que os trabalhadores da seara também não se entendem quanto à melhor forma de
trabalho prático. Ora, torna-se difícil encontrar um denominador comum no
sentido de nortear uma lógica clara para o tratamento da obsessão, porque surge
uma série de idéias contraditórias, preconceitos religiosos e opiniões sempre
vinculadas a conselhos de certos espíritos em determinadas obras mediúnicas.

De modo que, ao se admitir, no meio espírita, que os espíritos possam
isoladamente resolver tudo, a participação do trabalhador da seara espírita nas
atividades de intercâmbio mediúnico ficou muito reduzida, a ponto de
considerar-se um mero instrumento passivo, inclusive no caso específico de um
necessário trabalho de suporte no tratamento da obsessão. Tudo parece
identificar-se com um fundo de catolicismo, contido na maioria das obras
mediúnicas.

Penso ser oportuno refletir melhor sobre o assunto, pois tudo indica
tratar-se de um equívoco, por força de uma mentalidade predominantemente
religioso que se instalou no meio espírita, levando a acreditar-se na
infalibilidade dos espíritos protetores ou superiores, o que seria uma nova
forma de crença em milagres. Trata-se de uma postura que se assemelha ao
dogmatismo católico, que considera infalível a proteção dos santos canonizados.

Estou certo de que esse tipo de constatação abala profundamente os alicerces
da crença religiosa que alcançou a maioria dos espíritas. No entanto se torna
imprescindível repensar a dimensão do trabalho da seara espírita. Não basta
entregar aos espíritos a responsabilidade pessoal de curar os obsediados e a
tarefa de “limpar” o ambiente espiritual no seio das respectivas famílias, como
se, num passe de mágica, tudo pudesse ser resolvido através de uma força
estranha, inatingível ou milagrosa.

Penso que as atividades dos espíritas não se poderia restringir apenas à
simples assiduidade nas reuniões doutrinárias, aos passes mediúnicos, às preces
de louvor e ao trabalho de evangelização. Torna-se inadiável caminhar para um
trabalho de busca daqueles que passam por graves problemas espirituais,
procurando uma forma de reuni-los, com a maioria de seus familiares, dentro da
própria casa espírita, que aliás deveria permanecer aberta por mais tempo, no
sentido de permitir as tarefas de reeducação fraterna e apoio espiritual
específico à família do paciente obsedado.

Observa-se que, por falta de melhor compreensão da essência dos ensinamentos
contidos no primitivo Cristianismo, a maioria dos lares passa atualmente por
profunda crise de convivência, enquanto a violência e a injustiça social se
alastram por conta da negligência e corrupção no meio político. Ora, os casos de
obsessão espiritual constituem um fator agravante de desarmonia e infelicidade,
porque envolvem situações de desajustes comportamentais entre os próprios
membros dessas famílias, por desconhecerem a natureza dos mecanismos de
inter-relação com o mundo espiritual.

Portanto, tenho a convicção de que se poderia desenvolver um novo tipo de
trabalho espírita em conjunto com a espiritualidade, no sentido de socorrer
espiritualmente a família do paciente obsedado. Seria um trabalho de convivência
fraterna dentro da própria casa espírita, onde todos ali reunidos pudessem
manifestar os seus sonhos, idéias, opiniões e problemas espirituais e
existenciais, de modo que tudo pudesse ser enfocado e analisado à luz do
Espiritismo, num ambiente de fraternidade, esperança e alegria, conforme
preconizado no seio do primitivo Cristianismo.

(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 361 de Fevereiro de 2001)