Manifesto Espírita sobre o Aborto
Para o Espiritismo, a existência de um princípio espiritual ligado ao corpo
desde o momento da concepção não é mero artigo de fé. Trata-se de evidência
comprovada pela observação – embora a chamada Ciência oficial ainda não tenha
reconhecido tal evidência. Relatos de pessoas, em estado de hipnose ou em
lembranças espontâneas, mesmo de crianças, que retratam passagens de outras
vidas e de época em que o ser ainda se encontrava no ventre materno, revelam uma
consciência pré-existente ao corpo. Essas evidências, que vêm sendo estudadas
nos últimos anos por pesquisadores de diversos países, confirmam a posição da
Doutrina Espírita, em O Livro dos Espíritos (Questão 344):
“Em que momento a alma se une ao corpo?”
A união começa na concepção, mas só é completa por ocasião do nascimento.
Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a
este se liga por um laço fluídico, que cada vez vai apertando até o instante em
que a criança vê a luz (…).
Desse modo, o ser que se desenvolve no ventre materno, a partir da fecundação
do óvulo já é uma pessoa – sujeito de direitos – constituída de corpo e alma.
Felizmente, a Constituição Brasileira e o Código Civil são, neste ponto,
coerentes, com a formação espiritualista do povo brasileiro (incluindo
católicos, protestantes, espíritas e outras denominações, que constituem, no seu
conjunto, a maioria da nossa população). O artigo 5º da Constituição assegura “a
inviolabilidade do direito à vida”, elegendo assim tal direito a princípio
absoluto, não passível de relativização. E o artigo 4º do Código Civil afirma
que “a personalidade civil do homem começa pelo nascimento com vida, mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Reconhece-se desse
modo que o nascituro já é uma pessoa, sujeito de direitos, o que está de acordo
com todas as concepções espiritualistas acima citadas.
A Lei e o Aborto
O Código Penal de 1940, em seu artigo 128, diz o seguinte: “não se pune o
aborto se não há outro meio de salvar a vida da gestante e ou se a gravidez
resulta de estupro”. Em vista disto, os parlamentares elaboraram o projeto de
lei 20/91, que regulamenta o seu atendimento na rede pública de saúde. Esse
projeto, aprovado recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
dos Deputados, na prática, é uma reafirmação do artigo 128, do Código Penal,
garantindo às mulheres o efetivo exercício de um direito.
E há outros projetos que propõem a completa descriminalização do aborto.
Mas, diante do princípio absoluto do direito à vida, garantido pela
Constituição e partilhado pelo Espiritismo, não se pode admitir qualquer
relativização ou condicionamento deste direito.
Segundo O Livro dos Espíritos (Questão 358):
“Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?
– Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que
seja, cometerá crime sempre ao tirar a vida a uma criança antes do seu
nascimento, porque isso impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de
instrumento o corpo que se estava formando.”
A Vida da Mãe em Risco
No caso de risco de vida da mãe – único aborto aceito pela Doutrina Espírita
– existem duas vidas em confronto e é necessário escolher entre o direito de
dois sujeitos. Assim reza O Livro dos Espíritos (Questão 359):
“Dado o caso em que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe
dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?
– Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que
já existe.” (Entende-se que o ser referido seja o ser encarnado no mundo, após o
nascimento).
O Estupro
No caso de estupro, quando a mulher não se sinta com estrutura psicológica
para criar o filho, a Lei deveria facilitar e estimular a adoção da criança
nascida, ao invés de promover a sua morte legal. Sobrepõe-se o direito à vida ao
conforto psicológico da mãe.
O Espiritismo, considerando o lado transcendente das situações humanas,
estimula a mãe a levar adiante a gravidez e até mesmo a criação daquele filho,
superando o trauma do estupro, porque aquele Espírito reencarnante terá,
possivelmente um compromisso passado com a genitora.
O Aborto Eugênico
Embora não regulamentado por Lei, o aborto eugênico (de feto portador de
malformação congênita irreversível) também vem sendo praticado no Brasil, já
abrindo caminho para a sua legalização. Também neste caso, não se poderia
admitir infração ao direito à vida, sendo dever de todo cidadão, partidário
deste princípio, opor-se a esta prática, apenas aceitável em sociedades
impregnadas de filosofias eugênicas, tal como Esparta antiga ou a Alemanha
nazista, mas incompatível com uma sociedade majoritariamente cristã.
O Espiritismo se manifesta especificamente sobre o assunto, alertando que o
Espírito, antes de reencarnar, escolhe esta ou aquela prova (o nascimento em
corpo defeituoso ou mesmo a morte logo após o parto), como oportunidade de
aprendizado e resgate de erros cometidos no passado.
O Direito de escolha da Mulher
Invoca-se o direito da mulher sobre o seu próprio corpo como argumento para a
descriminalização do aborto. Mas o corpo em questão não é mais o da mulher,
visto que ela abriga, durante a gravidez um outro corpo, que não é de forma
alguma uma extensão do seu. O seu direito à escolha precede o ato da concepção e
se subordina ao direito absoluto à vida.
O Espiritismo, admitindo a presença de um Espírito reencarnante no nascituro,
considera que a mulher não tem o direito de lhe negar o direito à vida.
Conclusão
É inadmissível que pequeníssima parcela da população brasileira, constituída
por alguns intelectuais, políticos e profissionais dos meios de comunicação e
embebida de princípios materialistas e relativistas, venha a exercer tamanha
influência na legislação brasileira, em oposição à vontade e às concepções da
maioria do povo e contrariando a própria Carta Magna de 1988. O direito à vida
não pode ser relativizado, sob pena de caminharmos para a barbárie e para a
quebra de todos os princípios que têm orientado a nossa cultura cristã. Em que
pesem as pretensões daqueles que querem conduzir a opinião pública, desviando-se
de suas verdadeiras aspirações, o povo brasileiro continua em sua maioria
cristão (seja esse Cristianismo manifestado na forma católica, protestante,
espírita ou outra), adepto da existência de um princípio espiritual no homem e
portanto defensor da vida humana, como direito inalienável.
O nascituro não é uma máquina de carne que pode ser desligada de acordo com
interesses circunstanciais, mas um ser humano com direito à proteção, no lugar
mais sagrado e inviolável que a natureza criou: o ventre materno.
Manifesto aprovado na reunião do Conselho Federativo Nacional da
Federação Espírita Brasileira, nos dias 7, 8 e 9 de novembro de 98