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O mundo em que vivemos

O mundo em que vivemos

 

O que estamos vendo em torno de nós? As manchetes dos jornais assustam.
Embaixadas são incendiadas, terroristas agem em toda parte, tropas se confrontam
em muitas terras, a economia se descontrola, circunstâncias imprevisíveis levam
empresas sólidas à falência, sistemas e valores entram em colapso, instituições
tradicionais como a Igreja e a Família são violentamente abaladas, teóricos
pregam o fim da História. Não faltam as vozes pessimistas que apregoam o abismo,
o caos, o fim do mundo.

Não podemos desconsiderar os perigos reais que nos cercam: desastres
nucleares, o buraco na camada de ozônio, a quebra da cadeia biológica pela
extinção de muitas espécies. Se a velocidade da destruição da natureza não se
inverter, é possível que se atinja um ponto de ameaça à sobrevivência do homem
na Terra. Ao lado dos problemas descritos, contudo, surgem evidências da emersão
de novos potenciais bem no meio da destruição e da decadência: a descoberta de
fontes alternativas de energia menos danosa ao meio ambiente; o estabelecimento
de novas relações geopolíticas; a expansão dos meios de comunicação; a
instalação de novos métodos de manufatura, com máquinas realizando o trabalho
mecânico e alienante; a estruturação de novas formas de relacionamento familiar,
novas idéias, novas classificações, novos conceitos. Os velhos modos de pensar,
as fórmulas antigas e antigas ideologias, por mais úteis que tenham sido às
sociedades do passado, não mais se adaptam aos fatos atuais.

Se olharmos o momento em que vivemos sob a ótica da revelação espírita,
teremos motivos para desafiar o pessimismo que prevalece atualmente e
concluiremos que o desespero e a desesperança são atitudes injustificadas.
Segundo os Espíritos, são inúmeros os mundos habitados no Universo e podemos
distribuí-los nas seguintes classificações: primitivos, de expiação e provas,
de regeneração, ditosos, celestes ou divinos

A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas, mas
deverá, no próximo milênio, passar para a classe dos mundos de regeneração.
A vida nestes últimos não é acentuadamente diferente da que conhecemos, uma vez
que os habitantes deles estão ainda sujeitos às leis que regem a matéria e
experimentam como nós sensações e desejos, o que impede a vivência da perfeita
felicidade. Mas, entre eles, o egoísmo e o orgulho não têm a predominância que
observamos aqui e isso gera eqüidade nas relações sociais e, conseqüentemente,
uma vida mais amena e tranqüila.

A transição de uma categoria de mundo para a outra não se processa sem
abalos. Há um momento em que o antigo e o novo se confrontam, estabelecendo a
desordem e uma aparência de caos. Estamos vivendo esse momento e precisamos
saber o que faz parte do antigo e o que constitui o novo, para podermos
colaborar decisivamente na construção da realidade nova com que sonhamos. Para
ter esse discernimento, precisamos de muita atenção e cuidadosa observação, já
que muitas coisas apresentadas como inovadoras podem ser disfarces de um passado
que se recusa a ceder lugar ao que é verdadeiramente renovador.

A sociedade do mundo de regeneração já está, pois, emergindo em nossas vidas.
Ela traz consigo novos estilos de família, novos modos de trabalhar, de amar e
de viver, uma nova economia; novos conflitos políticos; uma consciência
renovada. Muitas pessoas já conseguem assimilar o novo ritmo enquanto que
outras, temerosas diante do desconhecido, agarram-se ao passado e tentam
reestruturar modelos antigos.

Como espíritas, somos chamados a contribuir para a construção dessa nova
sociedade. Aceitar ou não o chamamento depende exclusivamente de nós, da
consciência que tenhamos do momento que estamos vivendo e da importância da
nossa contribuição, como também da quantidade de energia que estejamos dispostos
a investir no trabalho necessário.

É preciso começar pela percepção de que toda sociedade tem regras e
princípios que permeiam suas atividades. Se essas regras e princípios se
apoiarem no respeito às leis divinas, a sociedade tenderá a corresponder aos
anseios naturais do homem, resultando em uma estrutura que propiciará o
crescimento de todos. Caso contrário, ao desrespeitar as leis naturais, as
instituições sociais passam a reprimir o homem, criam privilégios e exceções,
geram a violência e inibem o verdadeiro progresso. Cabe-nos, quando nos dispomos
ao trabalho de contribuir para a construção de uma nova sociedade, buscar o
conhecimento das leis naturais e refletir sobre a sociedade em que vivemos,
sobre a nossa posição nessa sociedade e sobre a ação que precisamos empreender.

Além disso, precisamos estar cientes de que o conjunto formado pela sociedade
gera limites à atuação individual. Como ensinou John Lock:

“E, assim, cada indivíduo, ao consentir com os outros em formar um corpo
político com um governo, coloca-se a si próprio sob a obrigação em relação a
todos os outros membros dessa sociedade de se submeter à determinação da maioria
e de aceitar suas decisões. Caso contrário, esse pacto original, pelo qual ele e
os outros formam uma sociedade, não significaria nada, e não seria um pacto se
ele permanecesse tão livre e tão sem obrigações quanto quando se encontrava no
estado de Natureza.²

Respeitar o pacto que está em vigor, agindo para que o esclarecimento traga
ao conjunto a possibilidade de novas determinações e, por conseguinte, de
estabelecimento de alterações à vida do conjunto, eis o que se pode propor.

Fica claro então que o projeto de uma organização social que respeite as leis
naturais deve realizar-se primeiramente pela educação dos indivíduos que compõem
essa coletividade. Kardec aponta esse fato quando, ao analisar as aristocracias,
afirma que o progresso pode determinar a redução considerável do comportamento
vicioso, fazendo com que ele seja uma exceção, à medida que cada homem se
eduque.³ Em vários pontos dos ensinos espíritas, percebemos esse cuidado em
destacar o caráter individualizante da proposta educadora da Doutrina. Não há,
pois, a intenção de se criar um movimento à semelhança dos sistemas religiosos,
que já se estabeleceram na Terra com base no Cristianismo, que atuavam pela
criação de um padrão de comportamento e imposição dogmática desse padrão aos
adeptos, forçando-os a uma atitude de religiosidade apenas aparente, que não
resistia à pressão dos impulsos ainda existentes na intimidade dessas criaturas.
A História mostra que a hipocrisia institucionalizada foi o resultado dessa
ação.

A ação espírita será a de difusão do conhecimento, para que o desenvolvimento
de uma nova forma de entender a vida possa criar uma nova maneira de estar no
mundo. O progresso do conjunto resultará do crescimento de cada um. “(…)a
vulgarização universal do Espiritismo dará em resultado, necessariamente, uma
elevação sensível do nível moral da atualidade.”4

Se queremos atuar verdadeiramente, auxiliando o advento do Mundo de
Regeneração, trabalhemos pela divulgação das idéias espíritas, corrigindo as
distorções no rumo do movimento que abraçamos, a fim de que os condicionamentos
adquiridos em outros arraiais religiosos não venham a contaminar nossa ação,
pela intromissão de atitudes dogmáticas e intolerantes. Não nos cabe julgar o
companheiro que está ao nosso lado, nem limitar as suas possibilidades de
escolha livre dos seus caminhos, mas sim ajudá-lo a encontrar, na luz do
esclarecimento espírita, as razões das suas mazelas de hoje, a fim de que possa
construir sua própria felicidade futura. Ao mesmo tempo, cabe-nos desafiar o
pensamento pessimista desta época, mantendo o coração cheio de esperança e fé e
a mente aberta para o aprendizado novo. Isso significa que precisamos educar-nos
pelo esforço do auto-conhecimento e pelo desenvolvimento de um projeto
consistente de reformulação interior. Tudo isso irá refletir-se beneficamente no
conjunto em que estamos inseridos, melhorando as relações dentro da família e da
coletividade. Reconheçamos com Emmanuel que “(…) ninguém é tão indigente
que não possa concorrer para o progresso comum e tomemos com firmeza o lugar que
nos compete no edifício da harmonia geral, distribuindo fragmentos de nós
mesmos, no culto da fraternidade bem vivida”.

 

1. KARDEC, Allan. “O Evangelho segundo o Espiritismo”. 112ª ed. Rio de
Janeiro: FEB, cap. III.

2. REZENDE, Antônio. “Curso de Filosofia”. 6ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor Ltda 1986, cap.6.

3. KARDEC, Allan. “Obras Póstumas”. 26ª ed. Rio de Janeiro, FEB. 1978. As
Aristocracias.

 

4. Idem, ibidem.