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O Livro da Esperança

E muito difícil reconhecer, num livro que surge, a marca da Verdade. Não
foram poucos, no entanto, os que identificaram, logo de inicio, essa virtude em
“O Livro dos Espíritos”, quando publicado pela primeira vez, em 1857. Para nos.
que viemos estudá-lo um século depois, a sólida e tranqüila grandeza dos seus
ensinamentos e muito mais evidente, mais fácil de distinguir do que terá sido
para os seus primeiros leitores. Ainda que a técnica da escolha das palavras e
construção da frase tenha variado, a verdade contida no texto brilha
serenamente, através do texto, com singular vitalidade, tanto mais quanto mais
passa o tempo.

Extraordinário livro esse, cuja sabedoria jamais se esgota, por mais
estudado, analisado e pesquisado que seja. Ainda ha pouco, discorrendo sobre os
aspectos abordados pelas questões 79 a 81, tivemos oportunidade de “descobrir”
novas facetas desse imenso repositório de idéias que e “O Livro dos Espíritos”.
E que se, por um lado, nenhuma pergunta ficou sem a resposta adequada, ha muitas
que não puderam ser respondidas de maneira mais extensa e explicita, devido as
limitações do próprio estagio evolutivo do publico a que se destinava a obra
—isto e, nos todos, seres humanos encarnados. E constante, por exemplo, a
advertência dos instrutores acerca do mistério que envolve a origem dos
Espíritos e das coisas.

Em resposta a pergunta n° 239 (Os Espíritos conhecem o principio das
coisas?), informam os comunicantes o seguinte:—Isso e conforme a sua elevação e
a sua pureza. Os Espíritos inferiores não sabem mais do que os homens.

Também o Cristo varias vezes advertiu que, nos seus ensinamentos, não poderia
ir alem de certo ponto, obviamente para não ultrapassar com eles o conhecimento
ainda muito precário dos homens de seu tempo.

Vemos então que, contendo embora um resumo de todas as grandes idéias e um
maravilhoso roteiro para a pesquisa cientifica, para o desenvolvimento
filosófico e o aperfeiçoamento moral, “O Livro dos Espíritos” encerra uma
demonstração de bom senso da parte dos seus autores desencarnados, que tiveram o
cuidado de não avançar alem do que a nossa mentalidade pode absorver. Evitou-se,
dessa forma, que as realidades do mundo superior —mesmo admitindo-se possível
sua tradução em linguagem humana—fossem ridicularizadas e tidas por fantasiosas
por toda a esmagadora maioria daqueles de nos que ainda não estão em condições
de aceitá-las.

O bom senso de Kardec deve ter oferecido aos seus elevados amigos da
espiritualidade as condições de que precisavam para lançar entre os homens um
livro tão avançado para a época. A impressão que hoje se tem e a de que “O Livro
dos Espíritos” realmente precisava vir para aqueles encarnados que não podiam
mais aceitar as falácias da esclerosada teologia ortodoxa em que se transformara
o Cristianismo nem a pura descrença dos que, a falta de melhor alternativa, se
voltaram para o materialismo e para a negação do principio espiritual no ser
humano.

O problema que então se colocou diante dos Espíritos foi, ao que parece, dos
mais complexos. Era preciso trazer uma mensagem valida aquela multidão de
encarnados que não tinham ainda uma doutrina racional e aceitável e não tinham
mais a antiga crença que exigia a aceitação do absurdo. Muitos desses já haviam
passado, em sucessivas encarnações, pela fé dogmática—não podiam mais admiti-la;
era uma experiência superada na historia da sua evolução individual. Como,
porém, converter em palavras, ao nível do entendimento humano, todo o
maravilhoso mecanismo do universo físico, do mundo espiritual, das leis morais e
das responsabilidades e deveres do cada um? Era um trabalho realmente gigantesco
o teria de ser confiado não a um só Espírito, mas a uma equipe de seres já muito
experimentados ao longo de muitas o muitas vidas. Isso daria a doutrina um
caráter essencialmente universalista, sem identificá-la com nenhum pregador,
filosofo, profeta ou moralista em particular e, ao mesmo tempo, traria para o
seu arcabouço filosófico a contribuição de uma variada, extensa e profunda
experiência de muitos seres superiores. Estes Espíritos não estavam interessados
em fundar escolas de pensamento, nem de aparecerem como novos iniciadores de
religiões ou correntes filosóficas— queriam, muito acima da vaidade humana,
trazer uma contribuição seria, endereçada aos homens que buscavam a verdade;
queriam traçar um roteiro que não apenas atendesse as inquietações dos homens,
como ainda oferecesse as perspectivas de uma civilização ainda por vir, de um
mundo ainda possível de realizações de paz e equilíbrio. Vinham ensinar que toda
a sabedoria humana esta na obediência consciente as leis divinas. Vieram
advertir de que convidamos a dor sempre que tentamos teimosamente atritar-nos
com a imutável sabedoria dessas leis. Vieram, enfim, trazer aos homens o livro
da esperança.

Desejavam dizer aqueles que sonhavam com um mundo melhor que esse mundo era
possível, era realizave1, estava ao alcance da nossa mão, desde que essa mão
fosse guiada pelas normas inflexíveis da moral. 0 livro continha muita coisa
acima de seu tempo, uma infinidade de sugestões, de pistas abertas a pesquisa
cientifica e a especulação filosofica. o objetivo daqueles mestres espirituais
não era resolver por n6s todas as questões aditivas que se colocam na mente
daquele que pensa, era indicar-nos um caminho para que prosseguíssemos por nossa
própria conta, pensando com a nossa pr6pria cabeça, descobrindo os fatos com os
nossos próprios recursos.

Decorridos mais de cem anos, vemos que caminhamos pouco em termos de
reconhecimento científico. Tem sido tremenda a obstrução por parte dos grupos
que vêem os seus interesses contrariados. Mas, a despeito de tudo, as idéias
contidas em “O Livro dos Espíritos” continuam a frutificar. Um dia a ciência
oficial há de desembargar-se dos ouropéis da vaidade acadêmica e buscar ali
inspiração para as suas pesquisas, o ponto de partida para novas descobertas. O
universo inteiro esta a nossa disposição, mas e preciso que nos aproximemos dos
seus segredos com verdadeiro espírito de humildade intelectual; caso contrario,
vamos achar apenas aquilo que desejamos encontrar, isto 6, o arranjo de fatos e
observações que continuarão a emprestar um arremedo de apoio a nossa descrença,
ao materialismo, as nossas infantilidades.

Muitos seres humanos estão cansados da descrença e já ultrapassaram a
infância espiritual. Para esses é que surgiu “O Livro dos Espíritos”. Sua
mensagem poderia ser assim resumida: Este livro se destina as minorias que
sonham com um mundo melhor.

Candeias na Noite Escura – João Marcos (Pseudônimo de Hermínio C. Miranda)