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O Problema da Mediunidade

O Problema da Mediunidade

O Espiritismo tem ocupado espaço na mídia nacional. De repente, remakes de
telenovelas, filmes ou mesmo um ou outro take publicitário, vêm tratar de
questões pertinentes à comunicação com Espíritos desencarnados, reencarnação,
fenômenos mediúnicos, etc., fazendo, às vezes, alusão explícita à mensagem da
Doutrina dos Espíritos. E isso tem despertado a atenção dos brasileiros, que,
sensibilizados pelo tema, vão bater às portas dos Centros Espíritas em busca de
respostas às suas indagações existenciais, à procura de remédio para suas crises
e consolo para suas dores.

Neste momento, cresce a responsabilidade dos espíritas, daqueles que
colaboram com a difusão da Doutrina. Porque um número cada vez maior de pessoas
virá solicitar esclarecimentos a respeito da problematização de sua vida, a
respeito do passado, do futuro, da razão das contradições conjunturais que
estejam enfrentando. E os agentes do Espiritismo não poderão enganar nem ser
levianos, sob pena de diluir a grandeza da verdade doutrinária em resoluções
imediatistas e simplórias – montadas de improviso para atender aos reclames do
povo vitimado pela comunicação de massa.

Facilitar o acesso à mensagem dos Espíritos não significa simplificar a ponto
de comprometer o seu conteúdo. O Espiritismo é uma doutrina que requer muita
leitura, estudo, reflexão, requisitos insubstituíveis e inevitáveis à sua
compreensão.

Dai a tarefa dos colaboradores. Num serviço voluntário, os que estão há mais
tempo na militância espiritista se prestam a auxiliar os recém-chegados, não
raro estabelecendo um verdadeiro processo de alfabetização.

Importa saber que o Espiritismo representa para os espíritas a dedicação ao
estudo disciplinado e permanente, a fim de se manter a atualização abrangente
dos vários outros códigos de conhecimento que se entrelaçam com o código da
Doutrina. Não dá para estacionar só no saber que se transmite oralmente. Ninguém
pode se afirmar conhecedor do Espiritismo só na base do “ouvi dizer”.

Todavia, o Brasil ainda tem sua realidade social muito voltada para essa
cultura oral do “ouvi dizer”, que tem subempregado os conceitos espiritistas,
transformando-os em preconceitos. Nessa esteira trafegam descrições
controvertidas, vulgarizadas na “voz do povo” e que se constituem em
camisas-de-força à expansão do entendimento doutrinário. Uma delas diz respeito
à mediunidade.

Há um clichê disseminado por aí que perversamente associa mediunidade com um
quadro patológico. São muitas as pessoas que vão aos centros espíritas devido a
um “problema de mediunidade”. Porque o vizinho, um parente, alguém na rua, lhes
disseram que aquela dor-de-cabeça, aquela insônia, aquela irritabilidade
constante, seriam provenientes da influência de um Espírito desencarnado. Este,
desequilibrado, se aproximaria, se encostaria ( daí a vulgarização do termo
encosto) nas pessoas, provocando-lhes inúmeras mazelas.

É impressionante como existem centros – que se dizem – espíritas fazendo
uso dessa maneira leviana de interpretar o fenômeno mediúnico.

O cidadão aparece no centro espírita pela primeira vez; ninguém o conhece,
ninguém sabe da sua história de vida, ninguém sabe do seu cotidiano, dos seus
hábitos; ninguém sabe se ele tem, ou não, família, muito menos se essa família
seria equilibrada e feliz; ninguém sabe a profissão dele, se ela é vocacionada
ou apenas suportada por uma questão de sobrevivência ou de comodismo; ninguém
sabe se o cidadão se alimenta corretamente, se dorme bem, se pratica, ou não,
algum tipo de esportes.Todavia, mesmo não se sabendo coisa alguma a respeito de
tal pessoa, há dirigentes de casas espíritas que se atrevem a afirmar,
“categoricamente” que o problema da pessoa é “de mediunidade”, e que ele precisa
“desenvolvê-la”.

Isso quando não diagnosticam, desde logo, um quadro de “obsessão”,
encaminhando o referido cidadão para trabalhos de desobsessão, fazendo com que
se manifeste o espírito que está incomodando, a fim de ser doutrinado.

Ora, senhores espíritas: a Doutrina dos Espíritos dá conta da existência,
sim, dessa influência dos espíritos desencarnados sobre os encarnados.Mas não
desse jeito! “Diagnosticar” todo e qualquer problema – seja de ordem física,
moral e financeira – como um “problema de mediunidade”, assim, de primeira
vista, sem um estudo de caso, é demais!

Muitos centros espíritas têm insistido nessa leviandade. Acomodam-se numa
visão absolutamente passiva do fenômeno mediúnico, como se nós, os encarnados,
fôssemos vítimas perpétuas e indefesas de desencarnados desavisados.

Mesmo uma simples interpretação gramatical do Livro dos Espíritos já comprova
que os seres humanos, os encarnados, não são sujeitos passivos no processo da
influência mediúnica. Explicando a Allan Kardec o porquê de haver espíritos
capazes de incitar os encarnados ao mal, os Espíritos disseram: “Nossa
missão é a de te por no bom caminho, e quando más influências agem sobre ti, és
tu que as chamas, pelo desejo do mal, porque os Espíritos inferiores vêm em teu
auxílio no mal, quando tens a vontade de o cometer; eles não podem ajudar-te no
mal, senão quando tu desejas o mal”.
(LE ).

E à indagação sobre se era possível afastar a influência desses Espíritos
inferiores, eles responderam: “Sim, porque eles só se ligam aos que os
solicitam por seus desejos ou os atraem por seus pensamentos”.
(LE).

Por mais superficial que seja a leitura desse texto, depreende-se que é a
vontade do encarnado que estabelece seus vínculos espirituais. Portanto, no
processo da influenciação mediúnica o ser humano é totalmente ativo, totalmente
agente. Se assim não fosse, qual seria o significado do livre-arbítrio?

De nada adianta, então, submeter uma pessoa a sessões corridas de desobsessão,
se essa pessoa não for sensibilizada a modificar seus comportamentos, se ela não
se auto-educar, se ela não se autoconhecer.

A maioria desses “problemas de mediunidade” são problemas de caráter pessoal,
são problemas de falta de educação. Colocar uma vitima desses ( assim) problemas
sociais como um sujeito passivo, involuntário, de más influências, é vitimá-la
duas vezes. Daí ser preferível falar em mediunidade deseducada, ao invés de
problema de mediunidade. Mediunidade não é problema. Conhecida, compreendida,
disciplinada, é um importante fator de aperfeiçoamento da leitura do mundo às
pessoas.

Os espíritas precisam nisso, pois o centro espírita deve ser, cada vez mais,
um centro de liberdade que se alcança através do conhecimento e do
auto-conhecimento – e não um local onde se cultive a mentalidade de submissão e
ignorância.

(Revista “Documentos SBEE”, Curitiba)