Chico Xavier se foi. Mansamente, serenamente, como sempre viveu. Em noite de
festa, de alegria, como um guerreiro que retorna da intensa batalha. A nossa
festa, contudo, era outra. Nossos heróis expressavam outra luta. Não menos
intrépida, pois resultante da disciplina no exercício do esporte e do amor à
representatividade brasileira. Nessa noite, todos estávamos envolvidos com a
bandeira verde-amarela.
Todos lembrávamos do Brasil querido, embora maltratado em sua diversidade, em
suas matas, em sua fauna, em seu povo, com milhões de famintos de pão e de luz.
Noite importante esta, pois nos fez lembrar como é bom ser brasileiro. Não se
trata de nacionalismo doentio, de entusiasmo passageiro, da alegria esfuziante
que busca uma forma de compensar as notícias graves e preocupantes do cotidiano.
Mas daquela alegria que conduz à retomada das atividades e dos compromissos com
mais certeza de que as coisas vão melhorar.
Contudo, essa mesma alegria conduz-nos à reflexão: ao ver pela TV as diversas
cidades brasileiras, o homem, a mulher, o jovem, o idoso, o pobre, o rico, o
mediano, refletimos sobre muitas coisas. A começar sobre o quanto este povo
persevera na luta, embora os obstáculos; na constância do sorrir ante as
perplexidades da existência; na competência de enfrentar com coragem e com
espírito de partilhamento as inúmeras adversidades da existência, mas,
sobretudo, na imensa aptidão para o amor.
Não foi ao acaso (aliás, acaso, segundo Téophile Gautier, é o pseudônimo de
Deus quando Ele não quer assinar a Sua obra), que os Espíritos Superiores para
cá conduziram a 3a. revelação cristã, corporificada na Doutrina Espírita.
Contudo, é preciso refletir ainda mais. Sim, pois estamos na pré-história da
regeneração de nossos Espíritos, portanto, esse amor latente precisa de
cuidados. Algumas vezes receberemos a perda, a nos ensinar o desapego, a calúnia
e a traição, a nos ensinarem a compreensão, veremos o escândalo, a nos ensinar a
necessidade da ética, a dor e o sofrimento para desbastarem o diamante que jaz,
bruto, em nós. Porém, receberemos também a presença dos Amigos da Humanidade que
tomarão para seus corações, intensificado, potencializado pela ignorância, o
nosso lado sombra personificado nos sentimentos citados. Estes, trarão em si, a
Misericórdia, inerente aos grandes corações; a Humildade, peculiar àqueles que
se reconhecem como eternos aprendizes da Vida; a Coerência no falar e no viver,
atributo exclusivo aos reais Apóstolos da Verdade; a Compreensão, pois sem ela,
revidariam prontamente à imensa pequenez dos atos humanos que se expressam,
bastas vezes, através do revide e da vingança, pois estes “não sabem o que
fazem”; a Sabedoria, que os torna luzeiros para as trevas em que jazem os
sentimentos da humanidade; o Amor, pois sem ele, sabem que nada, nada seriam,
visto que o contrário do Amor é o desamor, é a ausência do Bem, segundo Kardec,
portanto, vacuidade que seria ocupada pelos atavismos de toda sorte.
Hoje, mais um Amigo da Humanidade se vai. Sentimo-nos vazios de sua presença
amiga e carinhosa, mas séria e expressiva. Representante na Terra de milhares de
Espíritos do Bem, cristaliza em nós a certeza de que somos seus herdeiros.
Herdeiros do trabalho que nos compete realizar; das lutas interiores a travar;
da tolerância para com os inimigos, da troca amorosa com os amigos e
companheiros.
Temos, em nossa natureza, a perseverança não obstante os obstáculos –
brasileiros, sim, todavia, não importa a nacionalidade mas a natureza do
sentimentos que nos caracteriza.
Nacionalidades, instituições, partidos, são apenas rótulos. A nossa real
natureza nos identifica perante a própria consciência.
Certamente, 30 de junho será lembrado como um dia de festas. Alegria maior
estão os seus amigos, companheiros e mentores que certamente o recebem com o
Amor que ele merece. O mesmo Amor que ele doou através do trabalho humilde, da
paciência e da tolerância para com os maus, da compreensão para com o Império da
Dor a escravizar as almas comprometidas com o passado obscuro; sobretudo, da
imensa capacidade de assimilar Jesus – por isso compreendeu e distribuiu a
todos, indistintamente, os seus potenciais e as suas conquistas.
Aqui, ficamos nós. E agora? É Emmanuel quem nos convida:
“Os apóstolos, em todas as grandes causas da Humanidade, são instituições
vivas do exemplo revelador, respirando no mundo das causas e dos efeitos,
oferecendo em si mesmos a essência do que ensinam, a verdade que demonstram e a
claridade que acendem ao redor dos outros. Interferem na elaboração dos
pensamentos dos sábios e dos ignorantes, dos ricos e dos pobres, dos grandes e
dos humildes, renovando-lhes o modo de crer e de ser, a fim de que o mundo se
engrandeça e se santifique. Neles surge a equação dos fatos e das idéias, de que
se constituem pioneiros ou defensores, através da doação total de si próprios a
benefício de todos. Por isso, passam na Terra, trabalhando e lutando, sofrendo e
crescendo sem descanso, com etapas numerosas pelas cruzes da incompreensão e da
dor.
Representando, em si, o fermento espiritual que leveda a massa do progresso e
do aprimoramento, transitam no mundo, conforme a definição de Paulo de Tarso,
como se estivessem colocados pela Providência Divina, nos últimos lugares da
experiência humana, à maneira de condenados a incessante sofrimento, pois neles
estão condensadas a demonstração positiva do bem para o mundo, a possibilidade
de atuação para os Espíritos Superiores e a fonte de benefícios imperecíveis
para a Humanidade inteira.”
05-07-2002