Enéas Canhadas
Você já reparou que, ao fazer a pergunta por quê, está se colocando de volta no passado? Se não, vejamos. Digo para você:Fulano, passe na casa de Beltrano e entregue a ele esta encomenda.
Frente a esta ordem ou pedido, se você fizer a pergunta por quê, fatalmente será remetido ao passado. A explicação para o fato de estar enviando a encomenda para o Beltrano, está ligado a algum acontecimento ocorrido há algum tempo, mesmo que seja há apenas algumas horas ou minutos. Assim sendo, digamos, estou enviando esta encomenda para atender a um pedido que ele fez na tarde de ontem para mim quando conversamos por telefone. O que dizemos e pensamos é fruto de uma experiência passada. Os aprendizados estão no passado. As nossas saudades, lembranças e motivos para chorar ou nos vangloriar, para encontrar a nossa própria referência e identidade, recorremos às memórias da nossa memória. O que somos, vem do que vivemos até mesmo há uma fração infinitesimal de tempo atrás.
Isto significa, na prática, que a interrogação por quê, em geral, é sintoma de que estamos fechados ao novo, ou no mínimo, exigindo explicações do que se apresenta para nós num dado momento. Quando exigimos explicações sobre qualquer acontecimento, temos de recorrer ao passado. Fazer isto é voltar para trás, às nossas opiniões e idéias já concebidos e, em bom número de vezes, já consolidadas. Em se falando a respeito de idéias pensadas num passado próximo ou remoto, é bom lembrar que nem sempre estamos dispostos a abrir mão delas. O que pensamos e o que sabemos constituem-se propriedades exclusivas nossas. Os nossos pensamentos guardam pontos de vista, avaliações e conclusões que nos custaram caro, muitas vezes, e algo que nos custou caro a obter não damos de graça e não compartilhamos com tanta facilidade assim.
Nem sempre temos a consciência de quanta resistência colocamos numa simples pergunta: por quê ? É possível que isso passe despercebido, pois não somos bons ouvintes de nós mesmos. O nosso discurso é revelador do que e de como pensamos, mas para descobrirmos a nós mesmos é preciso um cuidadoso processo de auto conhecimento. A propósito, aqui vai uma dica sobre o auto conhecimento, lembrando Raul Seixas que afirmou “Freud explica, mas o diabo é que dá uns toques” e como Psicólogo, por dever de profissão, tentar explicar o que nem sempre está evidente. Vamos sugerir um acréscimo a indagação por quê.
Mude a pergunta da forma por quê para por quê não? e você irá se surpreender ao ver como a questão fica diferente.
Esta outra maneira de interrogar, diferente da anterior, nos remete ao futuro. Somos lançados para a frente e para o desconhecido. Por quê não? é sintoma de estar aberto e receptivo para o que vem ou para o que pode acontecer. Quando fazemos esta pergunta desta maneira, ela passa a conter o germe de uma afirmação que indica disposição e aprender e absorver o que virá. Como se desejássemos entrar em contato com algo que pode nos surpreender, pode até mesmo não nos ser favorável e também pode nos acrescentar alguma informação ou conhecimento.
As novas atitudes motivadas por esta pergunta modifica, nos coloca em risco de querer conhecer o desconhecido. É a única maneira de ganhar ou viver uma nova experiência. É a mesma disposição que nos faz enfrentar o futuro como uma oportunidade inteiramente nova. Um antigo apresentador de programas de auditório dizia que “o amanhã ninguém usou ainda” e constitui uma página em branco a ser escrita, uma tábula rasa para marcarmos com as nossas impressões e ações, de acordo com a disponibilidade com que vamos encarar este devir.
Pense nisso. Procure perguntar menos por quê e muitas vezes por quê não?