Dr. Ricardo Di Bernardi
Em função da necessidade de integrar os trabalhadores e estudiosos do Movimento Espírita no espírito federativo de unificação, sem o intuito de padronizar ou uniformizar palestras, pois a diversidade é que enriquece e embeleza a roupagem que as veste, sugerimos determinadas posturas que, em se adequando às realidades locais, poderão servir de subsídios ao expositor da Doutrina Espírita.
Inicialmente, urge que as exposições aliem, também, ao conteúdo de consolo, necessário aos que sofrem, o esclarecimento fraterno da dinâmica da vida e das leis do Universo.
Além de ensejar-se a compreensão do sofrimento, demonstrar que um único destino é que aguarda todas as criaturas: a felicidade plena em função da evolução.
São subsídios indispensáveis a qualquer palestra todos os princípios básicos da Doutrina.
Não há como se expor, na abordagem espiritista, qualquer tema, sem ligá-lo à Reencarnação, à Lei de Causa e Efeito, à Sobrevivência do Espírito ou à sua evolução. Pretende-se, com este esquema, propiciar ao ouvinte que entra pela primeira vez em uma Casa Espírita ter uma visão aproximada e lógica do contexto doutrinário.
Torna-se importante, também, que os temas não sejam apresentados como de Caráter exclusivamente religioso, científico ou filosófico. Qualquer tema deve ser abordado e ex-posto sempre pelos três ângulos, para se construir o triângulo perfeito da concepção espírita.
Temas como a Caridade precisam ser entendidos filosófica e cientificamente, para se fortalecer a conseqüência moral (ética )finalista. Podemos explicar um ato de amor, também, como movimentador de energias extrafísicas que sintonizam magneticamente com outras de mesma freqüência vibratória. O sentido genuinamente espírita do tríplice aspecto da Doutrina não deve ser subtraído indevidamente, mas apresentado em sua plenitude sem perder a identidade doutrinária.
Analogamente, temas como a origem da vida ou dos astros não poderão tornar-se simples aulas de Biologia ou Geografia. Indispensável unir o assunto à Onipresença divina, à existência dos fluidos e ao sentido mais amplo do amor divino. Assim por diante.
É também ingenuidade pensar que o Espiritismo é apenas para os mais simples e humildes.
Não são os sãos, mas os doentes que precisam de médico. A mensagem doutrinária deve ser sempre veiculada de maneira clara e acessível a todos; paralelamente, deve atender também aos anseios dos homens cultos e inteligentes na elucidação da dinâmica da vida e dos problemas modernos.
Viver Kardec não significa apenas estacionar nos graníticos alicerces da Doutrina, mas crescer embasado nos mesmos. Nada entristeceria mais nosso amado Codificador que programarmos ciclo de palestras sobre o “duelo”, sob o pretexto de ser assunto de obra básica, ao invés de sobre “passes”, alegando que este assunto foi tangido rapidamente pelo mestre lionês.
Viver Kardec é seguir sua mensagem progressista e não apequenar seu maravilhoso trabalho convertendo o pentateuco kardequiano em uma bíblia dogmática. Nada mais antikardecista, que deter-se exclusivamente nos alicerces doutrinários. Não ousaríamos pedir tanta abertura como o Codificador, que chegou a dizer que, quando a Ciência demonstrar que o Espiritismo está errado em algum ponto, ele se modificará. Pelo menos somemos os conhecimentos auridos pelas faculdades mediúnicas de Chico Xavier e Divaldo Franco às bases doutrinárias, ao proferirmos nossas palestras.
A mensagem de carinho e consolo – considerada característa espírita – poderá até ser imprescindível. No entanto, não podemos confundir isto com postura “religiosista” ao executarmos nossos pronunciamentos, assumindo, assim, características clericais que não se coadunam com a natureza de nossa Doutrina.
Não podemos permitir que o Espiritismo seja confundido como simplesmente mais uma religião.
Uma das heranças equivocadas do nosso passado judaico-cristão é a questão da culpa (desde o nascimento) e da punição. Cuidar para que não passemos equivocadamente o conceito de carma como algo que pode ser confundido com a versão espírita destas concepções. Cabe a nós demonstrar que, como disse Pedro, o Apóstolo, a caridade cobre uma multidão de “pecados”. As situações cármicas devem ser explicadas como passíveis de ser atenuadas e até eliminadas por atos de amor. Expiação, muitas vezes, por visão míope ou exposição doutrinária apressada, soa como castigo divino. Imprescindível demonstrar que as deformidades físicas não estão punindo, mas, eliminando as deformidades perispirituais, drenando-as para o corpo físico, com vistas à harmonia energética do Espírito.
Evitemos veicular mensagens passivas, tais como: sempre é necessário sofrer para evoluir. Preciso é condicionarmos pelas palestras, tanto os encarnados como os desencarnados, que a opção da dor só se faz necessária quando não optamos pelo amor e pelo trabalho. Útil ao próximo não é necessariamente aquele que se resigna em reencarnar deficiente, mas aquele que procura adquirir as condições de reencarnar perfeito para auxiliar construtivamente os seus irmãos.
Esperemos que as exposições doutrinárias possam ensinar transformando o Centro Espírita também em uma escola dos Espíritos.
Há ouvintes que nada sabem sobre a vida após a morte, nada escutaram sobre reencarnação e até mesmo mediunidade, embora já tenham repetidas vezes assistido às mesmas palestras sobre determinados temas evangélicos.
Deixemos muito claro que sempre poderão os temas evangélicos ser veiculados. Não há dúvida de que o Espiritismo tem, também , raízes cristãs. Chamamos, no entanto, a atenção para a falta de informação sobre a Doutrina Espírita, o que nos causa profunda preocupação. Neste sentido é que nos pronunciamos junto a esta Comissão Regional Sul do Conselho Federativo Nacional da FEB.
Permitam as luzes do Alto clarear as nossas limitações e nos intuir adequadamente para amarmos e instruirmo-nos suficientemente, a fim de que transmitamos a Doutrina Espírita com amor e sabedoria.
Fonte: Reformador de agosto/1992, p. 237-238. l
* Trabalho apresentado pelo Departamento de Divulgação Doutrinária e Cultura da Federação Espírita Catarinense, na Reunião da Comissão Regional Sul do Conselho Federativo Nacional da FEB, realizada em Ribeirão Preto (SP), no dia 2-5-1992. (republicado em 2002 pelo REFORMADOR)