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Raízes da Internet

Raízes da Internet

A Humanidade, recém-saída de uma guerra de proporções mundiais, onde antigos
impérios ruíram, voltava-se no primeiro instante para a guerra de ideologias,
perfeitamente assinalada pela formação de blocos e pela ascensão de novos
líderes. E é dentro deste contexto de busca da superioridade de uma idéia frente
às outras, ou, antes, do temor do fracasso de uma perante as outras, que vai o
ser humano voltar-se para um impulso armamentista sem precedentes. É justamente
dentro da busca da fortificação dos grandes blocos que vai surgir a Internet.

Buscando cada vez mais uma tecnologia de ponta para suprir seus ideais
bélicos, o homem, ou, antes alguns homens, vão desenvolver processos cada vez
mais complexos para “proteger e atacar”. Um destes processos foi a primitiva
Arpanet (precursora da Internet). A Arpanet era uma rede que interligava
computadores de defesa de forma que caso um deixasse de existir os outros
assumiam a sua função através de uma rede de comunicação.

Ao leitor amigo agora parece que iremos falar sobre armamentos, mas não
iremos! Queremos apenas constatar que a Providência Divina cuida tão bem de nós,
que ela sempre retira algo de bom até dos nossos maiores desatinos. Assim
aconteceu neste período com a primitiva Internet. Se os seus fins iniciais eram
bélicos, o próprio homem foi descobrindo que a rede podia ser usada para
comunicar com o próprio homem, quebrando barreiras geográficas, que a
comunicação era rápida e barata. Assim surgiu um dos primeiros serviços em rede:
o correio eletrônico (E-mail).

Situemo-nos então dentro de um contexto mais amplo, num dos grandes planos da
Providência, o plano da “comunicação”. A Internet é uma das componentes do plano
geral da comunicação, porém não é a primeira e certamente não será a última.
Recapitulemos alguns itens importantes deste plano e a sua função:

A fala humana: o ser humano começa a reproduzir situações “virtuais”
sem a necessidade de que os objetos em questão estejam presentes. Com a
maturidade que o homem primitivo havia atingido, ele estava apto a desenvolver
esta forma de comunicação que certamente o ajudou, e muito, a criar os primeiros
núcleos com organização objetiva e progressiva. Para sentirmos a importância da
fala, façamos o teste do jogo de mímica, onde tentamos descrever um objeto ou
idéia sem usarmos a fala. Quem já “brincou” assim vai perceber a dificuldade.
Imaginemos agora um homem das cavernas a tentar dizer ao seu povo: “Vem aí um
leão que come gente, vamos fugir pelo vale em frente, mas temos que andar dentro
da água por causa das pegadas”. Sem usar a fala, o que provavelmente aconteceria
é que antes dele acabar de fazer todas as “mímicas” necessárias, o leão já teria
comido a todos.

A criação da escrita: o ser humano consegue finalmente transmitir
informações aos seus sucessores com maior fidelidade, ou seja, sem a necessidade
da transmissão oral, que possui um coeficiente maior de erro. “Quem conta um
conto aumenta um ponto”. A escrita marca uma nova fase nos processos de
comunicação, pois passam a existir dois tipos de conhecimento: a Informação, ou
seja, o material transmitido pela escrita e o Conhecimento propriamente dito,
que é o estado da Informação depois que é lida, interiorizada e analisada pelo
leitor.

A invenção da imprensa: se agora o conhecimento podia ser transmitido
mais fielmente a partir da fonte, o grande problema é que este conhecimento era
ainda restrito: apenas poucos sabiam ler e outros poucos tinham acesso aos
repositórios de conhecimento, ou seja, aos livros. Daí ao grande passo da
Humanidade que acontece com Gutemberg ao inventar a imprensa. Agora o
conhecimento pode ser disseminado livremente. A informação deixa de ser
exclusividade de uma casta de pessoas e passa a ser patrimônio público,
motivando uma série de fenômenos, entre eles que mais pessoas se interessem
pelos estudos.

Traçando um rústico paralelo entre o Espiritismo e a Comunicação, vemos a
mediunidade que provavelmente existe desde que o homem é homem. A mesma
mediunidade aparece na Grécia antiga (vide o daemon de Sócrates), na
antiga Israel (vide os profetas), durante a Idade Média, mas é somente com
Kardec que ela é metodicamente estudada e divulgada como conhecimento público.

Ambos, Kardec e Gutemberg, são marcos na história da Humanidade. Não
inventaram a informação nem a mediunidade, mas com os seus estudos e propostas
sérias, deram um enorme impulso ao estudo e compreensão da informação e da
mediunidade.

Hoje em dia ambos estão juntos nos livros espíritas.

E o que tem a ver a Internet com isto tudo?

Se analisarmos mais detalhadamente as transformações que começaram a
proceder-se desde o século passado, notaremos um grande esforço da Providência
em dinamizar o conhecimento por todas as formas possíveis ao homem, seja visual
e auditivamente. É assim que em meados do século passado nascem a Fotografia e o
Cinema (que completou 100 anos a pouco tempo). Ambos visam permitir que o homem
“veja” o próprio homem e perceba que somos todos iguais.

No nosso século vemos o rádio, a televisão e o telefone. Os dois primeiros
para que o homem “escute” e “veja” novas idéias, receba novos conhecimentos. O
último, para além de cumprir funções semelhantes ao rádio, é o primeiro passo
para que o homem possa “interagir” com outros homens.

Tudo isto visando aproximar o homem do próprio homem. Muitos males da
Humanidade surgiram por causa da falta de informação, pelo desconhecimento do
ser humano que também estava na trincheira inimiga, enfim porque o homem pensa
que o único mundo existente e válido é “o seu mundo”.

A Internet, dentro deste contexto, visa permitir que o homem “converse”
indistintamente com o próprio homem, que ele “ouça” as idéias de seu semelhante,
que ele tenha acesso a grande parte do conhecimento do ser humano. Vindo a
entender que as suas idéias não são únicas e que mais outras pessoas
compartilham destas mesmas idéias em outras partes do mundo. Permitindo que
estas idéias sejam aperfeiçoadas e aplicadas no mundo real.

A Internet não tem bandeira, não tem moeda, não obedece a políticas, não tem
língua oficial. Ela integra o ser humano como um ser humano, sem fazer distinção
de sexo, cor, raça, idade ou estatuto social ou econômico.

Se hoje em dia se fala da globalização das economias, a Internet é a
globalização dos laços entre os homens, é um marco para a fraternidade.

O mais interessante é que todas estas transformações já haviam sido
enunciadas por alguns eruditos do século passado, entre eles destacamos Kardec,
ao escrever que estávamos às portas de mudanças para a Humanidade.

Os aspectos sociais desta aproximação e interação do homem com o próprio
homem são inquestionáveis, nunca o homem pode conversar tão abertamente com o
próprio homem. E neste contexto é claro que mudanças culturais, sociais e até
econômicas estão e vão continuar a acontecer. Sem dúvida, a informação que
circula pela grande malha de satélites, linhas telefônicas e computadores está
cada vez mais a transformar-se em conhecimento na cabeça de cada um, eliminando
preconceitos e estabelecendo relações. Para o espírita que reflete sobre o
assunto, parece notória a mão da Providência.

É claro que os opositores não tardam a lançar as suas críticas,
principalmente os ligados a velhos preconceitos, os nacionalistas exacerbados,
enfim entre todos aqueles que pensam que todas as mudanças são sempre para pior.
Cabe aqui lembrar que nada ocorre sem que Deus dê a sua permissão. Nem a
Internet, nem a globalização, nem a clonagem.

As transformações que estão ocorrendo no mundo de hoje vão sem dúvida acabar
com tradições arcaicas, com sentimentos separatistas, enfim com tudo que divide
o homem. Mas até que tal ocorra, muitos dirão que os seus costumes estão a
desaparecer, que a sua cultura está a morrer.

Acreditamos que isto seja verdade, porém temos que refletir se a causa será
tão-somente a globalização.

Será que na origem de certos costumes não estava o isolamento de certos
povos? Será que é preferível continuar isolado a ter que mudar as tradições?

Temos a mesma opinião de Léon Denis, de que as transformações vão ocorrer,
integrando o homem, mas nunca os costumes vão ser iguais, pois certas condições
que originaram estes costumes são próprias de cada região e independentes do
homem, por exemplo o clima. Enfim, cremos que toda a tradição ou cultura que
tiver os seus fundamentos no isolamento do homem, tende a desaparecer, mas isto
não quer dizer que todas vão desaparecer.

E assim é a Internet que apesar de nascida dentro de um contexto de desunião,
está hoje a integrar homens. Que pode ser considerada um modismo para alguns,
mas vai cada vez mais exercendo função no mundo de hoje. Que, como todos os
meios de comunicação, tem suas vantagens e desvantagens, cabendo a cada um de
nós saber aproveitá-la da melhor forma possível.

(Sérgio Freitas é um dos editores de Grupo de Estudos Avançados de
Espiritismo)

(Transcrito da Revista de Espiritismo JUL/SET/97)

Há 50 anos nenhum ser humano tinha a mínima noção das transformações
pelas quais a Humanidade iria passar na segunda metade do século.

Os aspectos sociais desta aproximação e interação do homem com o
próprio homem são inquestionáveis, nunca o homem pode conversar tão abertamente
com o próprio homem.

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