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Surpresa na Casa de Pedro

Certa feita Simão Pedro levou Jesus e dois companheiros, Tiago e João, ao seu
lar(Mateus, 8:14-15). Ao entrarem uma surpresa: a sogra de Pedro de cama, em estado
febril…

Jesus tomou-lhe as mãos e em breves momentos a temperatura normalizou-se. A respeitável
senhora ergueu-se bem disposta e pôs-se a servir os visitantes.

Evidenciava-se uma vez mais o poder incomparável do Messias que, a um simples
toque, curava os mais variados males.

Surpreendente, amigo leitor, não foi a presença da febre. Primeira defesa do
organismo em face de determinados males, todos a experimentamos eventualmente. Nem
a sogra morar com o genro. O apóstolo tinha a vocação para a santidade.

A surpresa foi ele ter sogra. Pedro seria consagrado na Idade Média como o primeiro
papa.

Um sumo pontífice casado?!

A passagem é esclarecedora.

Considere-se, ainda, que não há nos ensinamentos de Jesus qualquer referência
a suposta incompatibilidade entre a vocação religiosa e o matrimônio.

Em nenhum momento Jesus impõe o celibato como algo indispensável para que o indivíduo
se integre nas funções de orientador espiritual de uma comunidade, mesmo um papa.

Nos serviços de atendimento fraterno, no Centro Espírita, constata-se que as
causas mais freqüentes dos desajustes espirituais relacionam-se com os conflitos
domésticos, decorrentes de relacionamento difícil, incontinência verbal, problemas
financeiros, educação dos filhos…

É complicado orientar os entrevistados com base apenas na teoria, sem vivência
familiar, envolvendo cônjuges e filhos. O conhecimento é importante, mas a experiência
é fundamental.

Imaginemos um estudante de medicina sem contato com pacientes…

Um botânico que nunca lidou com plantas…

Um professor de dança que jamais ensaiou um passo…

Oportuno destacar:

Não havia imposição de celibato na primitiva comunidade cristã. Os fiéis, em
qualquer posição da hierarquia religiosa, casavam-se, conscientes da perfeita compatibilidade
entre seus compromissos espirituais e familiares. O próprio Pedro é exemplo maior.

A partir do século quarto da era cristã, quando Constantino iniciou o processo
que transformaria o Cristianismo em religião oficial do Império Romano, o movimento
se institucionalizou, surgiu o profissionalismo religioso. A partir daí houve lamentáveis
desvios.

Um deles foi a imposição do celibato, consagrado no Concílio de Latrão, no ano
de 1139.

Dentre os objetivos, três primordiais:

Preservar os patrimônios da instituição. Sacerdotes casados tenderiam
a privilegiar a formação de seus próprios patrimônios.

Preservar a castidade. O sexo para os teólogos medievais era algo pecaminoso.
Como poderia o ministro de Deus, o orientador religioso, exercitá-lo? Seria um sacrilégio.

Preservar a dedicação plena. Compromissos familiares desviariam o padre
de seus deveres relacionados com a comunidade dos fiéis.

Na defesa dessas idéias, costuma-se evocar Paulo de Tarso:

Na primeira epístola aos Coríntios, capítulo 7, versículo 8, diz o apóstolo:

– E aos solteiros e viúvos, digo que lhes seria bom se permanecessem no estado
em que também vivo.

Se os cristãos levassem sua observação ao pé da letra, estariam contribuído para
a extinção da raça humana.

Considera-se, entretanto, que ele se referia à vida religiosa. Melhor que não
se casem para que tenham maior liberdade nos serviços da fé.

Mas Paulo jamais pretendeu fazer de sua sugestão um artigo de fé, uma imposição
de cumprimento indispensável, tanto que acentua, em seguida:

– Caso, porém, não se dominem, que se casem, porque é melhor casar do que abrasar.

Se o impulso do acasalamento, instintivo na natureza humana, fala alto, é razoável
que o candidato aos serviços religiosos venha a constituir família, sem abdicar
de seu ideal.

Muitos Espíritos reencarnam para sagradas tarefas no seio da religião. Experimentam
a vocação religiosa desde a infância. Ordenam-se sacerdotes. Entretanto, não têm
a vocação para o celibato e a castidade.

Enfrentam dorida solidão. Experimentam os apelos da sexualidade, ardem-se em
fantasias e sonhos eróticos. Atormentam-se. Têm dramas de consciência…

– São os demônios – dizem seus superiores.

– São os hormônios – explicam os médicos. É natural no jovem.

A sexualidade desabrocha e os hormônios circulam, sugerindo o acasalamento.

Os sonhos eróticos dramatizam o que está acontecendo com o corpo.

Muitos sucumbem aos apelos da natureza animal e abandonam seus compromissos ou
se comprometem em ligações proibidas.

Culpados? Não!

Culpa de uma disciplina que contraria a Natureza.

O homem e a mulher são duas partes que se completam.

Cérebro e coração…

Razão e sentimento…

Força e sensibilidade…

Permutam recursos magnéticos de equilíbrio e bem-estar, como valiosos estímulos
para as realizações mais nobres.

Por isso, o amor está em primeiro lugar nas cogitações humanas.

Salvo, portanto, em circunstâncias especiais, em que a própria vida impõe a solidão
afetiva, por imperativo de resgate e reajuste ou por opção voluntária, o casamento
surge como um caminho natural para o homem.

Isso não impede sua realização no campo religioso.

Grandes vultos da Humanidade, com contribuições marcantes em favor do progresso
humano, foram casados e tiveram filhos.

Há um ditado famoso, de exaltação do sexo feminino:

Por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher.

No Espiritismo, onde o celibato é considerado uma opção pessoal, jamais uma disciplina
indispensável à participação na direção das entidades, temos figuras ilustres que
se casaram.

Bezerra de Menezes, grande médico da pobreza…

Peixotinho, extraordinário médium de efeitos físicos…

Cairbar Schutel, valoroso pioneiro do jornalismo espírita…

O exemplo maior está no próprio Codificador.

Allan Kardec tinha em sua esposa, Amélie Boudet, inestimável colaboradora.

Mas é imperioso observar, amigo leitor:

Se é um equívoco o homem negligenciar a família humana, para cuidar da família
universal, não menos equivocado está aquele que se dedica exclusivamente à família
humana, esquecendo-se da família universal.

Concretizada a união de dois corações enamorados que se realizam nos cuidados
e nas alegrias da paternidade, muitos casais tendem a ver no círculo familiar o
início e o fim de suas iniciativas e preocupações.

Prendem-se ao conceito estreito de família como ligação consangüínea, um clube
fechado pelas chaves do sangue.

Nesses lares são precárias a paz e a harmonia, porquanto suas raízes de estabilidade
emocional e espiritual são muito frágeis e curtas, não ultrapassando o torrão doméstico.

Para pessoas assim, que compõem grande parcela da Humanidade, problemas e limitações,
contrariedade e dissabores, normais na Terra, tornam-se dramas terríveis, sempre
que atingem o agrupamento familiar.

Por isso, o amor que inspira o anseio de uma vida em comum, onde os filhos se
apresentam como frutos abençoados de afetividade, somente se manterá em plenitude,
sem enganos, sem temores, sem desequilíbrios, quando suas raízes se estenderem além
das paredes estreitas do lar.

Não há nada mais edificante, nem mais nobre, nem mais belo que o exemplo de corações
que se amam, unidos no mesmo propósito de exercitar a fraternidade, participando
de obras sociais e serviços religiosos, vendo na Humanidade uma grande família,
onde todos se devem mútuo apoio.

O acasalamento nos realiza como filhos do Homem.

A solidariedade nos realiza como filhos de Deus.

E se muito amamos a família consangüínea e muito nos preocupamos
com sua saúde, conforto e paz, multiplicando rogativas ao céu em seu benefício,
recordemos que Jesus foi até a sogra de Pedro porque Pedro estava com Jesus.