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O tríplice aspecto do Espiritismo

O português é uma língua rica. Enriqueceu-se com a história: as populações
castrejas receberam a contribuição linguística dos fenícios, dos romanos, dos
povos bárbaros do norte europeu. Por isso, é rica de expressão. Mas sem ideias
claras não há língua que aguente.

Em matéria de espiritismo ou doutrina espírita, a questão ganha contornos
muito especiais.

As imprecisões e as confusões inerentes tornam-se despropositadas. Só ideias
muito enevoadas justificarão desfocagens, confusões, imprecisões.

Espiritismo é um neologismo. Ou seja, é uma palavra nova, criada por Allan
Kardec para designar um novo sistema doutrinário.

Não tem faltado quem se tente aproveitar dessa palavra, num sentido ou
noutro. Por um lado, apareceram e aparecem os detractores e aqueloutros que o
ignoram deliberadamente, pelo conteúdo. Estes adoram confundir, no seu
reducionismo sistemático, espiritismo ao mediunismo, e aí pretendem torná-lo
sinónimo de mediunidade. O que não é verdade, como é óbvio.

Por outro, aparecem os charlatães, os comerciantes da mediunidade ou as
correntes espiritualistas em busca de prosélitos e sem identidade intrínseca
definida, que gostam de copiar parcelas (as que lhes são mais convenientes) da
doutrina espírita numa reedição muito própria.

Contudo, é menos de censurar a quem desconhece o seu desconhecimento, se este
for resultado de dificuldades mentais. E tudo isso derivado da responsabilidade
implícita e subjacente. De lamentar, isso sim, é a atitude de quem está no
espaço do movimento espírita e ainda o identifica com o mediunismo.

Esta doutrina de tríplice aspecto – o espiritismo – é ciência, filosofia e
moral. O movimento espírita pode não o ser. Porquê?

Porque é um esforço de adaptação a um ideal, e por isso encerra
necessariamente contradições. Na medida em que mais os espíritas desconheçam o
espiritismo ou doutrina espírita, mais ensejos surgem de o movimento espírita
sem identificação doutrinária espírita.

Mas sobre o tríplice aspecto, não há, de facto, um tri-partidarismo. Na
verdade, não há espiritismo científico, nem espiritismo filosófico, e muito
menos espiritismo religioso.

Porque a questão doutrinária desses três aspectos não é de fracionamento, de
subdivisão, mas é de unidade, e não depende – facto histórico que é, já
consumado desde meados do século XIX – das inclinações de gosto ou de aroma de
quaisquer prosélitos.

Por isso, poderemos encontrar certos o movimento espírita, ou certos sectores
no seu seio, desfasados num dos três aspectos, porque normalmente elegem aquele
com que se afinizem, marginando os outros. Os motivos sobejam.

Mas diante do sistema doutrinário, é na prática um despropósito referir o
espiritismo e associá-lo a apenas um ou dois dos seus aspectos.

Porque o espiritismo enquanto doutrina que é, num certo aspecto, terá que ser
ciência, um sistema de conhecimentos organizados derivados da experiência; como
filosofia indaga, questiona, anima a pesquisa e alimenta-a; enquanto moral
conforta, levanta, melhora o horizonte vivencial de quem o estuda, nas alegrias
da fraternidade autêntica. A ideia espírita engloba, constitui-se neste tríplice
aspecto, unindo-os, e, só assim, na verdade, estaremos a trabalhar com ela.

Há que ir por aí, caso contrário poderá acontecer ficarmos a ver passar por
nós a chamada Era do Espírito.